Na escola nos ensinaram uma antiga lição: o nome Brasil é originário de brasa, que, por sua vez, remete à cor do cerne do pau-brasil, o “lenho tintorial” que assim foi responsável pelo batismo de nossa pátria amada, salve, salve. Certo? Pois sabe que talvez não seja bem assim? “Brasil” é étimo ancestral, de múltiplas e indeterminadas origens, ecoando em antigas e já esquecidas línguas, registrado em mapas com mais de um milênio nas dobras. Há mais de 20 explicações para a origem dessa palavra multissonante. Mas uma coisa é certa: ela é bem anterior ao costume de utilizar o “pau-de-tinta” para tingir brocados e sedas.
De todas as versões que circum-navegam espumando-se ao redor de tão arredio vocábulo, a que mais me agrada remete à mitológica e misteriosa Hy Brazil. Hy Brazil era uma ilha movediça que, ressonante de sinos sobre o velho mar, trajada de brumas, maliciosamente se afastava dos nautas, sumindo no horizonte esfumado tão logo as embarcações dela se acercavam. Também chamada Ilha do Brasil, Ilha de São Brandão ou Brasil de São Brandão, ela povoou a imaginação e a cartografia europeias desde os albores do século 9.
A ínsula foi o palco da lenda celta Peregrinatio Sancti Brendani, escrita em latim no século 8. Nascido na Irlanda em 460 da era cristã, São Brandão zarpou para o oceano, em companhia de 14 monges, em 565 (aos 105 anos, portanto), disposto a evangelizar terras e povos ignotos. Após navegar por anos a fio, vivendo as peripécias de que fazem eco as lendas, ele enfim aportou entre os recifes pontiagudos e praias recônditas da Ilha Prometida.
Lá ficou até morrer, aos 181 anos de idade.
Desde 1353 até pelo menos 1721, Hy Brazil podia ser vista em mapas e globos, e até 1624 expedições eram enviadas em demanda dela. Conforme o belo estudo de Gustavo Barroso, O Brasil na Lenda e na Cartografia Antiga, lançado em 1941, os homens letrados do século 16 não duvidavam de que o nome Brasil provinha da ilha sagrada. “Prevaleceu, porém, a opinião do vulgo, já que eram simples marujos aqueles que traficavam o lenho rubro abundante nas paragens descobertas por Cabral.”
Mas, se não batizou a terra, foi o pau que nos tornou brasileiros. Afinal, caso as regras gramaticais tivessem sido corretamente aplicadas, seríamos brasilenses – como em inglês (brazilians), em francês (brésiliens) e tantas línguas –, pois brasileiro, qual pimenteiro e negreiro, era uma atividade e nunca foi gentílico.
De todo modo, se Hy Brazil foi capaz de desanuviar-se dos mapas e dos mares provando ser terra firme, não conseguiu se firmar como terra prometida. E, se algum dia houvesse sido, deixaria de sê-la agora que 3 mil novos agrotóxicos acabam de ser liberados para serem pulverizados sobre ela – 42 deles só na semana passada. Isso permite afirmar que, se por um lado livrou-se de um governo pernicioso, o Brasil elegeu em seu lugar um governo tóxico.
E veneno, como se sabe, mata.