Um amigo colorado muito, mas muito bem-humorado, já que o humor é um estado de espírito para viver melhor a vida, mandou-me a seguinte mensagem ainda no intervalo da goleada serena e tranquila de um desfalcado Manchester City sobre o corajoso, porém muito inferior, Fluminense, na final do Mundial de Clubes, por 4 a 0, na Arábia Saudita:
— Acho que foi bom negócio mesmo ter perdido para o Fluminense...
No conjunto da obra, salvo espasmos aqui e ali, foi adulto contra criança. O Fluminense até conseguiu, algumas vezes, no primeiro tempo, sair trocando passes lá de trás, inclusive com o goleiro Fábio driblando — isso mesmo, driblando — na pequena área. A torcida, árabe e brasileira, aplaudiu como se fosse gol, dentro daquela ideia da coragem. Que, de fato, merece registro.
O time de Fernando Diniz tentou do seu jeito. Mas não deu, como o mundo inteiro já sabia, salvo se o "Sobrenatural de Almeida" renascesse por ser um jogo só. Sair tocando desde os zagueiros três ou quatro vezes, até o campo do adversário, por si só, não é jogar bem. É só uma parte do todo.
Essa foi a questão central em termos táticos e de conceito, entre duas equipes que amam ter a bola. Enquanto o City atacou e defendeu em bloco o tempo todo, sem esmorecer, o Fluminense só conseguiu a primeira parte, ainda assim em raros momentos. Na hora de atacar com muita gente e objetividade, fracassou. De outro lado, o City foi um exemplo de como o modo Guardiola de buscar o controle do jogo a partir da posse de bola tem uma virtude imensa, mas pouco valorizada e até mesmo abordada. Se você quer a bola, antes é preciso conquistá-la. Toda a conquista é precedida de luta.
Então a vitória tática do City, para além da qualidade individual, é essa. É falso afirmar que o campeão (tri) inglês, da Champions League e, agora, mundial, é faceiro — para usar um jargão antigo. Faceiro é quem não se preocupa no que fazer quanto tem de defender, entregando a própria sorte aos desígnios do acaso ou de um goleiro milagreiro. Outra meia-verdade é chamar esse tipo de ideia de Guardiola, de longe o melhor técnico em atividade no planeta, de "ofensivismo". É pejorativo. Como pode ser cegamente atacante um time programado e treinado para desarmar o adversário?
Essa foi a diferença tática, entre ingleses e brasileiros, da decisão aclamada como de dois times atacantes. Já estava 4 a 0 e o City seguia pressionando na marcação quanto o Fluminense tentava sair jogando. Foi um resumo desolador do abismo entre o futebol europeu e sul-americano. Em tudo: dinheiro, talento individual, inteligência tática e força física.
O City teve intensidade o tempo todo para marcar e jogar em bloco. Houve alguns momentos patéticos, como Felipe Melo e Samuel Xavier tentando provocar peças-chaves como Bernardo Silva e Grealish, para expulsá-los. Tanto o craque português quanto o extrema inglês, pela esquerda e pela direita, respectivamente, riram e não caíram nas fanfarronices brasileiras.
A ideia de Diniz, que é acumular jogadores em uma faixa de campo para gerar vantagem numérica, morreu no cérebro de Guardiola. Quando o doce era das crianças tricolores, nesse instante, sobrava gente de azul claro logo ali adiante. Se invertesse o lado, Deus do céu. Pep sabia disso. E sabia também da importância de lutar pelo desarme de forma obsessiva. Vale lembrar o mérito dele de respeitar o adversário, enquanto proposta a ser combatida, sem soberba. E olha que o City estava desfalcado de De Bruyne e Haaland, arco e flecha. Só não foi mais, seis ou sete, por que os ingleses puxaram o freio de mão na segunda etapa, já pensando na sequência da Premier League e Champions. Os números assustam: 15 a 2 em finalizações e 8 a 2 em conclusões no alvo.
Vou além. Repare nas conclusões no alvo do Fluminense. Uma foi de Arias, de cabeça, em uma conservadora cobrança de escanteio. A outra veio pelos pés de Kennedy a 42 do segundo tempo, jogo resolvido, um chute de fora da área que o brasileiro Ederson espalmou sem problemas para escanteio.
Tudo isso é demérito para o Fluminense de Diniz? Claro que não. Diniz tentou, corajosamente, mas não dá. O abismo intercontinental é cada vez mais severo em todos os aspectos. Um abismo infinito, eu diria. E se esse novo modelo de Mundial de Clubes vingar a partir de 2024, com 20 equipes e muitos europeus, aí acabou. Nunca mais um time brasileiro será campeão mundial. Quem alcançou a glória que viva eternamente de suas lembranças. Quem não conseguiu, adeus.