Das superestrelas, restaram duas, Messi e Mbappé. Cristiano Ronaldo teve um fim melancólico, condenado ao banco de reservas em Portugal. Seus fãs sofreram ao vê-lo como simples mortal. Parecia um Janderson quando entrava no segundo tempo. Neymar marcou presença na hora agá, mas o Brasil não o acompanhou. O polonês Lewandowski nasceu no país errado para o futebol. Sobraram Lionel Messi e Kylian Mbappé. E o francês está na frente.
Não pelos gols no Catar. Já são cinco, contra quatro de Messi. A questão não é essa. Messi está em sua quinta e última Copa, aos 35 anos. Mbappé recém disputa sua segunda - e já exibe faixa de campeão. Completa 24 anos dois dias após a final de domingo. Terá os 35 anos de Messi na distante Copa de 2034. Seus concorrentes extraterrestres entraram na última curva, enquanto ele mal dobrou a primeira esquina. E já tem um timaço jogando só para ele.
Foi assim no Al Bayt, o incrível estádio que parece uma tenda de beduínos do deserto por dentro e por fora. Sem brilhar, na maior parte do tempo caminhando, tocando poucas vezes na bola, sem fazer gols e com certo fastio algumas vezes, mesmo assim, Mbappé foi decisivo. Imagine quando estiver em noite iluminada.
A França só ganhou da forte Inglaterra por 2 a 1 porque tem Mbappé. Sem ele, teria perdido. Os ingleses dominaram a maior parte do jogo. Grudei os olhos no camisa 10, embora tremendo pelo frio de 16 graus do inverno catari noturno.
Mbappé joga leve. A pressão morreu no nascedouro quando ele foi campeão fazendo gol na final de 2018, aos 19 anos. O comportamento é de total confiança. Não se irrita. Não provoca. Não se apavora. Dá para ver no semblante. Ele controla o show.
A certa altura, sofre falta, cai e aproveita para fazer duas embaixadinhas de cabeça antes de pegar a bola com a mão e colocá-la no lugar da cobrança. A imagem dele sorrindo, sentado na grama e equilibrando-a na cabeça viraliza. Ele mesmo a postou no Instagram. Alguma dúvida de que ele sabia que seria assim? Que as duas embaixadinhas não foram inocentes?
A França abre o placar com um chute rasteiro de Tchouameni. Os franceses, a propósito, dizem que o time melhorou com o operariado do jovem volante do Real Madrid, em vez do estrelismo de Pogba. Mas a bola só se oferece para ele na entrada da área graças a Mbappé. Ele corta para dentro e avança na direção da área. Temendo o clássico binômio drible e arremate, a defesa inglesa recua. É esse movimento que permite a Tchouameni a liberdade e o tempo de enquadrar o corpo e chutar no cantinho.
No campo, dá para ver nitidamente. Mbappé se preserva. Não marca nem hora no dentista. Vai armazenando energia para aquelas duas ou três arrancadas. Mesmo quando opta pelo passe, antes ameaça o drible. É de propósito. Dois segundos estático, um meneio de corpo e já são três a marcá-lo. Sobra espaço para alguém. Seus companheiros reconhecem que convivem com Luís XIV, o lendário Rei Sol que transformou a França numa potência europeia. Griezman, que já foi o número 1, aceita de bom grado cumprir tarefas na corte.
Quando a França é atacada, Griezman volta para fechar linha e cometer faltas de cartão amarelo. Mbappé, não. Fica lá na frente, ele e Giroud, o centroavante bonitão de 1m93cm. Contra a Inglaterra, quando a marcha apontava o Palácio de Buckingham, após Kane empatar de pênalti, é Mbappé quem muda o eixo do jogo e o leva para Versalhes. Ele passa a pedir a bola sempre, com gestos. Griezman percebe e passa a acioná-lo a todo instante, mesmo quando o vê cercado de ingleses. A partir daí, senhores, le jour de gloire est arrivé, como canta a Marselhesa, o fascinante hino revolucionário francês.
Um drible, um escanteio cavado, uma ordenação de tabela, uma inversão, um toque para trás para fazer a bola girar, uma tabela, uma proteção com falta. Aos poucos, vai monopolizando. Sem precisar brilhar ou fazer os gols, como contra a Polônia, nas oitavas. O desempate nasce de um escanteio cavado por Mbappé. O técnico inglês, Garreth Southgate, enfurece com Saka, que não o acompanha. Chega a sacá-lo do time, com o perdão do trocadilho. No rebote do escanteio, a bola sobra para Luís XIV em seu reino encantado, o lado esquerdo. Então, Touché.
Em vez de arrancar, como se imaginava perto dos acréscimos, Mbappé aciona Griezman, o servo fiel, no espaço que ele, Mbappé, recém criara. O francês amante do chimarrão - culpa de Suárez, amigo pessoal - vai ao fundo e acha Giroud para o testaço fulminante no meio dos zagueiros. Ainda deu tempo de Harry Kane perder um pênalti e virar manchete como o ídolo inglês que nunca ganhou nem torneio de canastra, pelo Tottenham ou no English Team.
Mesmo que a Argentina de Messi seja campeã, o futebol já tem um novo rei. Um rei jovem. Luís XIV governou por 72 anos. Se for bicampeão mundial no Catar, Mbappé não precisará mais do tempo. Quem necessita dele depois de alcançar a eternidade?