Fala-se muito no Brasil. No microfone, nas redes sociais, no BBB, nos palanques, no Congresso Nacional, no Palácio do Planalto. Só que, entre palavras e gestos, ergue-se um universo de sombras. Pior: em boa parte, o verbo nada tem a ver com a ação. Talvez aí resida o "Grande Mal" da humanidade.
Se as pessoas, do humilde cidadão ao importante governante ou executivo de multinacional, se cada um de nós falasse menos e fizesse mais no seu ambiente, não teríamos essa terrível sensação de um passo atrás a cada dia enquanto sociedade.
Por que hoje é assim: as evocações são todas magnânimas, contra a corrupção, pela punição exemplar, pelo bem estar comum, em nome da solidariedade e da ajuda ao próximo, mas basta ir para o noticiário e se vê o oposto dos mesmos que a declamam em prosa e verso.
Pensei nisso observando D’Ale no "Sala de Redação". Ele veio na sexta-feira gravar uma entrevista com o Guerrinha para a Rádio Gaúcha, à tarde. Eles são muito amigos, então o agora ex-jogador o elegeu para a primeira grande entrevista após a despedida do Inter.
Pois D’Alessandro chegou 40 minutos antes. Claro que o puxamos para o último bloco do "Sala de Redação". Sempre ouvi, de quem trabalhou com ele: é sempre o primeiro a chegar no treino. Também usava parte das férias organizando o Lance de Craque e mantinha uma equipe com academia em casa para se apresentar em forma muito além dos 30 anos, compensando com trabalho o que a juventude não lhe dava mais.
De nada adiantaria falar e falar de etarismo e preconceito com os mais velhos no esporte se não lutasse para compensar a decadência física natural. D’Ale se aposentou correndo, suando, fazendo gol e saindo só na metade do segundo tempo, contra o Fortaleza.
Votei nele para melhor em campo não por homenagem, mas por que ali estava de fato o destaque da partida, com 18, 30 ou 40 anos. Durante o Sala, perguntei da pressão adicional que um líder de vestiário como ele sofria, tendo de ser exemplo para jovens criados nas redes sociais e que "não querem ou não sabem sofrer", conforme ele nos explicou com cuidado para não generalizar sobre as diferenças de quando começou a jogar futebol:
— O que te define é o que tu faz todos os dias. Falar é fácil. Fazer, não. Fazer dá trabalho, mas a força do gesto é um escudo.
Com toda a paciência possível, D’Ale atendeu a quem lhe pedia foto e autógrafo no trajeto. Era solícito. Não fazia cara feia a quem cruzasse o olhar, ajudando a romper uma eventual vergonha na aproximação. Outro detalhe dos gestos é o idioma.
D’Ale fala bem o português, o que já lhe tem rendido convites para ser comentarista no Brasil e Argentina. Nunca perderá o sotaque, claro, mas sempre foi perceptível o empenho em usar vocábulos brasileiros. Lembro de Schiavi, zagueiro argentino que passou pelo Grêmio sem jamais preocupar-se em se comunicar. Ali estava alguém que não pensava em criar raizes e entender o clube.
Nunca ouvi D’Ale fazer juras de amor a capital dos gaúchos, tipo o novo reforço que beija um escudo a cada seis meses. Mas onde ele fincou moradia? De onde são as entidades beneficentes atendidas pela renda de seu amistoso anual?
Onde nasceu o filho mais novo, Gonzalo? Onde joga a primogênita, Martina? Gestos. Ações. Prática. D’Ale também não pensa em abrir um curso sobre futebol, mesmo que já some cursos sobre casamata e gestão. Eis outro gesto pessoal. Se entende que tem tanto ainda a aprender na nova vida de ex-atleta, qual a razão de sair ensinando?
— Ensinar é uma arte complexa. Professor é uma profissão essencial. Posso dar palestra sobre minha experiência, mas para ensinar teria de aprender muito ainda.
No próprio jogo de despedida, falando mais de paixão, D’Ale teve um gesto que ajuda a compreender a sua especial conexão com os colorados. Ele reclamou tanto do segundo pênalti marcado contra o Inter, desperdiçado pelo Fortaleza, que quase foi expulso. Naquele momento pôs em risco a sua própria festa de despedida.
Imagine, expulso na despedida, o mico que seria. Mas a paixão, no calor do campo, o fez "defender" o Inter acima de si mesmo. Um craque que fincou bandeira no clube pelo que fez em seu nome, para além de falar, ganhar ou perder.