Acho que o filme de comédia de que mais gostei na vida foi Um Peixe Chamado Wanda. Eu chorava de rir, na poltrona do cinema. Isso foi nos feéricos anos 80. Nas três décadas que se passaram de lá para cá, não assisti ao filme outra vez. Sinto vontade, mas tenho medo de ver e me decepcionar. 

Esse processo melancólico aconteceu com os livros da Agatha Christie. Quando guri, li todos os romances em que o protagonista era o detetive Hercule Poirot, com seu bigode encerado e suas células cinzentas privilegiadas. Mas é claro que, com o tempo, fui me dedicando a outras leituras. Até que, não muitos anos atrás, já adulto, resolvi pegar de novo um livro da Agatha Christie, na intenção de sentir o que sentia antes. Que acachapante frustração. A velha Agatha me pareceu ingênua e até bobinha. Pensei: será que o ingênuo e bobinho não era eu? Provavelmente. O que não chega a ser algo ruim: significa que estou menos ingênuo e menos bobinho. Espero. 

Tive outras decepções. Quando estava no primeiro grau, meu avô me dava dinheiro para o lanche. Eu adorava umas bolachinhas de queijo que eles vendiam no bar da escola. Era uma delícia aquilo. Pois bem. Certo dia, lá pelo final dos anos 90, estava empurrando carrinho no supermercado e me deparei com um pacote daquelas velhas bolachinhas da minha infância. Comprei logo dois, de tão faceiro com o reencontro. Fui para casa, abri o pacote, levei umas bolachinhas à boca e... Oh! Que coisa bem sem graça... Como podia gostar daquilo? 

Mais ou menos na mesma época, comecei a receber e-mails de uma moça com quem tivera um ardente caso muito tempo atrás. Era óbvio que ela queria tentar um remember. Mas, como já disse, décadas tinham se passado, eu não fazia ideia de como ela estava, o que pensava, se havia engordado ou emagrecido. Fiquei cogitando o que fazer. À noite, encontrei meu amigo Jorge Barnabé para tomarmos uns chopes. Ele conhecia a moça daquele tempo d’antanho. Contei sobre o possível reencontro e ele me deu, como conselho, uma frase sábia, que guardo comigo até hoje: 

– David, não estraga o teu passado. 

Depois que o Jorge me brindou com esse ensinamento de ouro, é assim que tenho tratado o meu passado: eu o preservo. Não tento retomar as coisas maravilhosas, para que elas continuem sendo maravilhosas. 

Houve apenas uma exceção, dias atrás. 

Fazia uma tarde chuvosa e decidi beber café com leite, algo que não fazia havia décadas. Aí, no momento em que o café com leite ficou pronto, olhei para um pote de vidro na cozinha e vi aquela pilha de bolachas Maria. Repeti, então, um procedimento da minha primeira infância: molhei a bolacha Maria no café com leite. Cheguei a estremecer ao fazer isso, com medo de me decepcionar. E, trêmulo, levei a bolacha à boca. O sabor foi exatamente igual ao que sentia quando guri. Voltei a me sentir sentado à mesa da sala de jantar da minha avó, voltei a sentir a preguiça de antigas tardes chuvosas e fiquei muito feliz. O que me faz perguntar: onde acho Um Peixe Chamado Wanda para assistir mais uma vez?