Contei, na última crônica, que minha mãe me deu um apontador de lápis alemão, “o melhor apontador do mundo”, apontador tão bom que eu nem me julgava digno de possuí-lo. Estava orgulhoso de meu apontador de lápis alemão, mas, já no primeiro dia em que o levei para a aula, ocorreu um incidente: Maria Cristina, a menina que eu amava, tomou-o emprestado e não me devolveu.
Estávamos ainda no início da manhã. Ela apontou seus lápis e, depois, distraidamente, deitou meu apontador em sua própria carteira. Fiquei olhando. Tive vontade de pedir que ela devolvesse, mas não podia fazer isso. Maria Cristina ia pensar que sou mesquinho, ou que estava desconfiando que ela ia me roubar o apontador, ou que não confiava nela. Sei lá. Não podia pedir. Será que ela tinha mais lápis a apontar, e por isso deixou-o ali? Não era possível – ela havia apontado MUITOS lápis.
Estava inquieto com a situação. Nem conseguia prestar atenção ao que a professora falava. A aula ia avançando e eu pensando no meu apontador de lápis alemão. Não podia deixá-lo com Maria Cristina. Minha mãe ficaria decepcionada. Ela me dera o presente com tanta alegria... Não, não, eu precisava pegar meu apontador de volta. Mas como?
A hora do recreio chegou. Enquanto a sineta batia, Maria Cristina jogou o material que estava sobre a mesa dentro da sua pasta, inclusive o apontador de lápis alemão.
Oh, Deus!
Pensei em sondá-la de alguma maneira, cercar o assunto, mas ela estava com pressa. Saiu correndo em direção a duas amigas, e as três se foram pelo pátio afora. Restei sozinho na sala de aula. Olhava para a pastinha dela e cogitava: “Devo abri-la e pegar de lá o meu apontador de lápis alemão?”
Imaginei-me fazendo isso e Maria Cristina voltando de surpresa, ou a professora, ou qualquer aluno. Fosse quem fosse, a pessoa, ao me flagrar mexendo nas coisas dela, gritaria:
— Ladrão! Ladrão!
Minha honra seria manchada. Não podia arriscar. Saí para o pátio, desolado, tentando imaginar uma forma de reaver meu apontador de lápis alemão. Bem que eu pensara que não o merecia. Estava provado, devido à minha negligência – não o merecia mesmo.
O recreio terminou e voltamos todos à sala de aula. Nos acomodamos. Maria Cristina me lançou um sorriso ensolarado quando se instalou na cadeira. Em seguida, pegou a pasta e dela tirou o material para continuar o dia. Tirou o caderno, tirou os lápis, tirou a borracha. Mas não tirou meu apontador de lápis alemão. Ou seja: ela ia levá-lo para casa. Não podia deixar que isso acontecesse, minha mãe perguntaria pelo apontador, eu sabia disso.
Passei o período seguinte da aula espremendo meu humilde cérebro em busca de uma saída. A manhã chegava ao fim e eu suspirava: perdi meu apontador de lápis alemão... Neste momento, tive uma inspiração. Tomei dois dos meus lápis e, disfarçadamente, pressionei suas pontas contra o tampo da mesa, quebrando-as. Um segundo depois, bati no ombro de Maria Cristina e os mostrei:
— Me empresta o apontador?
Ela bateu na testa:
— O teu apontador! Eu fiquei com ele! — E vasculhou sua pasta e de lá tirou meu lindo apontador de lápis alemão e, sorrindo, miou: — Desculpa...
Sorri de volta e, no absoluto improviso, rebati:
— Imagina... Eu gosto que tu tenha alguma coisa minha.
Ela, o chantili escorrendo da voz:
— Por quê?
— Porque aí, em casa, tu vai te lembrar de mim.
E ela sorriu de contentamento e seus olhos negros reluziram e ela me passou o apontador de lápis alemão e, juro, a mão dela ficou um segundo a mais em contato com a minha. Sorri para ela e sorri para mim, eu sorria por dentro, sorria com o corpo inteiro e a alma também. Apertei o apontador com força e pensei, feliz: eu mereço o apontador de lápis alemão.