Eu estava muito mal. Nenhum remédio fazia efeito, o câncer avançava com fúria, achava que ia morrer em pouco tempo. Aí alguns amigos apareceram com uma ideia diferente, um tratamento alternativo, que, juravam eles, era capaz de fortalecer minha imunidade e ajudar a me salvar. Um deles me alcançou uma fita de vídeo onde fora gravada uma reportagem com médicos falando bem acerca do tal tratamento.
São pessoas inteligentes, esses meus amigos, e bem intencionadas e gostam de mim. Considerei tudo isso para decidir que, sim, ia tentar. O que tinha a perder? Chama-se, o tal processo, “auto-hemoterapia”. Consiste no seguinte: você tira sangue da veia e reintroduz o mesmo sangue, imediatamente, no músculo. O seu próprio sangue, ao ser reinjetado estimularia a produção de magrófagos, que limpariam as células e tudo mais, não e estenderei na explicação.
Não é algo horrível de se fazer, mas é ruim. É desagradável. Mesmo assim, fiz por meses, todas as semanas e, em certos momentos, até acreditei que estava melhorando.
Não estava.
Só fui melhorar, de fato, quando encontrei um caminho novo pela velha ciência ortodoxa.
Conto essa história para dizer que compreendo os prefeitos que estão distribuindo coquetéis de cloroquina, ivermectina e azitromicina em suas cidades, compreendo as pessoas que estão tomando esses remédios para se proteger do coronavírus, compreendo todos eles e digo mais: eu mesmo, se sentisse sinais de contaminação pela peste, os tomaria.
Porque é óbvio: se a terapêutica padrão não apresenta resultados, você os procura fora do padrão, mesmo que seja arriscado.
Os médicos têm dúvidas, ninguém sabe ao certo se esses remédios funcionam contra a covid19. Logo, pode ser até que funcionem. O problema não está nos remédios. O problema está no fato de o presidente da República se tornar propagandista deles. Porque, quando faz isso, o presidente age como aqueles meus bons amigos: ele convence as pessoas da eficácia do remédio, e elas o experimentam. Só que Bolsonaro não está se dirigindo a um único indivíduo. Suas palavras alcançam milhões, milhões acreditam nele e se guiam pelo que ele diz. Entre esses, dezenas de prefeitos que estão distribuindo kits com cloroquina, azitromicina e ivermectina para as populações das suas cidades.
Hoje, no Brasil, milhões de pessoas estão tomando esses remédios, muitas de forma preventiva, por conta própria, sem acompanhamento médico. Não se sabe como estão ingerindo as drogas, não se sabe com que frequência ou o tamanho das doses. A maioria não sentirá efeito colateral algum. Mas uma minoria sentirá. E poderá sofrer danos importantes por essa temeridade.
Para os bolsonaristas e os antibolsonaristas a cloroquina é objeto de disputa política. Os bolsonaristas torcem para que ela funcione, os antibolsonaristas para que não funcione. Uma discussão quase criminosa, porque a eficiência de um remédio não deve resultar em ganho ou perda na política. Deve resultar apenas em cura.
O que precisa ser compreendido, mesmo por quem ama Bolsonaro, é que ele não deve transformar um remédio num estandarte. Pessoas podem sofrer muito por causa disso. Já quem detesta Bolsonaro precisa compreender que não deve criticar o remédio; deve criticar Bolsonaro.
Quem toma cloroquina está se lixando para esse debate. Quem toma cloroquina só está angustiado para se salvar. E essa angústia só pode ser resolvida pela boa ciência, não pela má política.