Em cinco anos vivendo nos Estados Unidos, nunca, nenhuma vez, nem por um momento, experimentei algum tipo de discriminação por ser brasileiro. Nunca ouvi uma palavra de depreciação, nem percebi que me foi lançado metade de olhar de menoscabo que fosse. Ao contrário: os americanos sempre foram gentis, educados e solidários comigo e com minha família.
Alguém pode argumentar: é porque vocês são brancos. Talvez. Mas converso com negros latinos sobre isso. Entre eles, um que encontrei dias atrás em um restaurante brasileiro daqui, o Oliveira’s. Chamava-se Vinicius, e era muito simpático e comunicativo.
Há um grosso naco de cada um dos muitos defeitos da humanidade nesse país tropical. Mas há também mais convivência entre pessoas diferentes.
Depois de algum tempo falando sobre voltar ou não para o Brasil, tema de todas as conversas de brasileiros nos Estados Unidos, Vinicius disse o mesmo que escrevi dois parágrafos acima: que jamais sentiu algum tipo de preconceito por parte dos americanos. Mas, ao revelar que ainda espera retornar, explicou suas razões fazendo uma ressalva:
– Eles não se misturam.
E é verdade. E posso afiançar que a maioria das pessoas que vivem aqui pensa o mesmo. É tema corrente entre brasileiros essa imiscibilidade (opa, olha uma pedra no meio do texto) dos americanos.
Há gente de todo o mundo morando nos Estados Unidos, mas essas pessoas vivem em grupos raciais separados uns dos outros até por limites geográficos. Em Boston, tanto quanto em Nova York ou Chicago, há o Chinatown, há o Little Italy. E há o famoso bairro de Roxbury, que corresponde ao Harlem nova-iorquino: o bairro dos negros.
Em Roxbury morou Malcolm X, que sonhava criar um Estados Unidos negro, separado do país dos brancos. Você vai lá hoje e é como se entrasse no sonho de Malcolm X: 90% das pessoas nas ruas são negras, mas negras retintas, não há mulatos como grande parte dos negros brasileiros. Quer dizer: como diagnosticou o Vinicius, “eles não se misturam”.
Estive na África. Lá, o Paulinho da Viola e a Camila Pitanga seriam considerados brancos como suecos. Todos os negros são nigérrimos e estão sempre falando em raça: há os zulus, os xhosas, os tutsis, os hutus, há 10 mil etnias e muitas delas se odeiam mutuamente de um ódio ancestral. Achava que, na África, a grande divisão seria entre negros e brancos, mas não é assim, não existe UMA etnia negra. Elas existem aos milhares, cheias de distinções, e é difícil um zulu se casar com uma xhosa ou um hutu com uma tutsi. Eles olham para alguém e a primeira pergunta que fazem é de que tribo a pessoa é. Como nos Estados Unidos, país que abriga povos de diversas nações debaixo da mesma bandeira de listras e estrelas, mas com cada um em seu escaninho: judeus vivendo em bairros judeus, italianos em bairros italianos, chineses em bairros chineses, negros em bairros negros.
Essa é a grande, imensa e insuperável vantagem do Brasil sobre todos os povos do mundo: no Brasil, as pessoas “se misturam”. E, confesso, como o Vinicius, isso é do que mais sinto falta, morando aqui. Além dos amigos e dos chopes cremosos, é claro.
Na última semana mesmo, estava falando sobre isso com um negro brasileiro que é meu amigo e mora no Brasil. Ele concorda que há mais interação, mas faz uma ressalva: nos últimos anos, o racismo tem “aparecido mais” no país e tem se tornado “mais agressivo”, porque está sendo “mais discutido”.
– Os negros estão mostrando as caras, remexendo com o que antes constrangia em silêncio – disse ele. – A reação incomodou, e o conflito se acentuou.
Isso não é preocupante. Isso é bom. Porque expõe o preconceito e só quando exposto ele pode ser eliminado.
É óbvio que há racismo no Brasil.
Há discriminação.
Há preconceito.
Há ignorância.
Há um grosso naco de cada um dos muitos defeitos da humanidade nesse país tropical. Mas há também mais convivência entre pessoas diferentes. Ou que se acham diferentes. Porque, na essência, não são.