Nada faz sentido senão à luz da evolução, disse Dobzhansky. E tudo que tem um lado bom tem outro ruim – ou, pelo menos, não tão bom, dizia minha avó.
Os primeiros humanos, há 2,5 milhões de anos, se movimentavam sem parar, atravessando longas distâncias nas savanas da África, procurando alimento, fugindo de predadores. Daquela vida de escassez e perigo veio a seleção de genes e rotas do nosso metabolismo que aproveitava ao máximo os nutrientes e estocava o que não se usava como gordura. Isso foi adaptativo porque nunca se sabia o dia de amanhã.
Humanos eram originalmente pequenos. Com o tempo, os que tinham membros mais longos foram selecionados, porque podiam cobrir mais longas distâncias. Ficamos mais altos e musculosos. Com a agricultura, muita coisa mudou. O registro histórico diz que isso foi há aproximadamente 27 mil anos. Então, o metabolismo do corpo humano, forjado por milhões de anos, precisou fazer uma curva fechada: menos exercício e mais comida. Ninguém naquele momento imaginaria que chegaríamos neste ponto: enquanto há bilhões sem comida, há bilhões com comida demais. Gordura demais: há hoje uma epidemia de obesidade no mundo, que tem ligação direta com doenças crônicas, principalmente câncer.
Muitas são as curas “milagrosas”, mas apenas uma, baseada em evidência, funciona: mais exercício e menos comida. Isso não é por acaso: quanto mais conhecemos sobre o metabolismo humano, mais isso faz sentido, porque é a nossa origem. Então, em geral, sabemos que o exercício é benéfico para controlar o peso e a glicose, prevenindo doenças.
Em junho, contudo, cientistas da Universidade de Stanford descobriram mais um efeito benéfico do exercício: a produção de uma molécula que controla a fome. O grupo usou uma abordagem que chamamos de metabolômica. As “ômicas” (genômica, transcriptômica, proteômica) são maneiras altamente tecnológicas de estudar um problema: se faz uma varredura de tudo o que está sendo produzido e se analisa isso com o uso de inteligência artificial. Usamos muito hoje essa abordagem, gerando quantidades de dados gigantescas. Muito dinheiro é necessário para fazer, e gênio é preciso para interpretar. Eles acharam, entre milhões, um pico importante de uma molécula em camundongos que se exercitavam; depois, o mesmo pico em cavalos de corrida. Encorajados, procuraram um colega especialista em exercício humano e perguntaram: essa molécula é produzida em humanos que se exercitam? Ao que o colega respondeu: essa é uma das três principais moléculas que achamos!
A molécula, um híbrido de lactato e fenilalanina que chamaram de Lac-Phe, foi então injetada em animais. E inibiu o consumo de alimento, sendo responsável por 25% da perda de peso desses. Mais do que um possível inibidor de apetite, a identificação dessa rota metabólica é uma inspiração: que longa trajetória desde os primeiros humanos até a tecnologia que nos permite entender um pouco melhor como funcionamos. E um lembrete: podemos ajudar quem sofre com obesidade, mas temos engenharia e intelecto para produzir alimento para quem não tem. O que estamos esperando?