Todos nós passamos por momentos difíceis — uns menos que outros. Muitas vezes esses momentos são imprevisíveis — mas nem sempre. Identificar os momentos em que temos escolha e podemos influenciar desfechos é uma habilidade que surgiu recentemente na evolução, e uma característica da espécie humana.
Eu me sentei aqui para escrever sobre o covid longo, a síndrome pós-aguda de sintomas principalmente neurológicos desenvolvida em algumas pessoas que se infectam com o Sars-CoV-2. Mas está muito difícil me concentrar porque só consigo pensar no que aconteceu com Bruno Pereira e Dom Philips na Amazônia. O Brasil, o meu país, que era sinônimo de paisagens lindíssimas e pessoas maravilhosas, virou um lugar onde sua voz não é ouvida e sua a vida não vale nada se você for doente, pobre, negro, indígena, mulher, pequeno empresário, pequeno produtor, funcionário público, ambientalista, jornalista, cientista. Sobra quem, exatamente?
É um comportamento abjeto, que acompanhou toda a pandemia e segue hoje a passos largos, em direção ao que só pode ser um abismo. Um veneno que perpassa hoje todos os setores da nossa sociedade e da nossa economia. Isso precisa acabar. Esse não é o Brasil da maioria — ele é um esboço truncado, que suga tudo o que existe de bom e criativo neste povo e joga fora. Basta.
Eu sempre disse que a resiliência dos brasileiros era quase uma maldição. Nós somos, sim, um povo forte. E vamos assim aguentando absurdo sobre absurdo. Isso não pode continuar. E, sobre a covid longa, os números crescem diariamente. Um artigo recente do Lancet analisou dados de quase 8 mil pessoas, de 56 países, que reportam para 95% delas os sintomas persistiram por mais de 35 semanas. Isso independe da gravidade — pessoas praticamente assintomáticas tiveram persistência ou desenvolvimento de fadiga, amnésia, problemas neuromotores e cardíacos. No Reino Unido, nos Estados Unidos e no Canadá, onde os direitos humanos ainda não são tão completamente desrespeitados, existe esforço e dinheiro sendo alocado para acompanhar essas pessoas, entender melhor a doença, e buscar um tratamento.
E a coisa mais inacreditável é que essa nova epidemia de pessoas com problemas neurológicos e os gastos em fisioterapia e saúde, sem falar nas vidas que serão para sempre alteradas, pode ser evitada. Nós, com nossa capacidade de prever desfechos, única na natureza, desenvolvemos vacinas, disponibilizamos as mesmas e sabemos hoje que vacinar protege do desenvolvimento desses sintomas de longo prazo. Além, claro, de evitar hospitalizações por doença grave e morte. Mas, para aqueles para os quais a vida dos outros que não sejam os seus não vale nada, isso também não é importante.
Há um outro importante desfecho que podemos todos, hoje, prever com clareza. Que todos parecem ter relegado para ser decidido outubro deste ano. Está nas suas mãos não ter covid longo. Como está nas suas mãos sair do abismo em que fomos jogados. Basta.