Há até uns 10 anos, podiam-se ver algumas senhoras, de mais de 60 anos, com um braço bem maior que o outro, normalmente protegido por uma manga, mesmo no verão. Essas senhoras eram raras sobreviventes de câncer de mama. Antigamente, a prática cirúrgica padrão removia não só o tumor ou toda a mama, mas também os nódulos linfáticos da axila – as famosas "ínguas", que incham quando estamos machucados ou com alguma infecção. O racional era que os nódulos linfáticos poderiam facilitar que o tumor se espalhasse pelo corpo, pois a circulação linfática se comunica com a do sangue.
Atualmente, sabemos que nos linfonodos são montadas as defesas do corpo, inclusive contra os tumores. Os medicamentos que curam o câncer agem nos linfonodos. Entendemos hoje que podemos remover alguns deles, que contenham células tumorais que conseguiram chegar ali. Mas aprendemos a preservar mecanismos de proteção.
A falta de drenagem linfática no local, por eliminação dos linfonodos, levava ao inchaço crônico, além de deixar aquela região desprotegida. O receio e a falta de compreensão do que faz o tumor crescer nos levava a eliminar componentes fundamentais para nossa sobrevivência. O verdadeiro tumor, espalhado, era impossível encontrar. Os linfonodos estavam ali, fáceis de remover – por que não o fazer?
Há alguns dias, participei como banca de uma seleção para professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), junto a pesquisadores de diferentes partes do Brasil. Jovens talentos que treinaram no Exterior competiam por uma vaga no país. Querem voltar. Querem usar o que aprenderam para construir um Brasil mais forte. No meio da seleção, a UFMG foi invadida por tropas armadas e agentes da Policia Federal, para a prisão do reitor, que havia sido acusado de desviar fundos da universidade. No momento em que eu escrevo, nenhuma acusação foi comprovada. Quanto ao presidente da República, vários membros da Câmara dos Deputados e seus assessores, mesmo que abundem provas de corrupção, não vemos mobilização de tropas.
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Em 2016, várias universidades federais foram alvo de demonstrações de força como essa. Não encontrei registro de comprovação sobre acusações na UFMG, nem na UFSC, nem na UFTM. Pode haver corrupção em qualquer órgão público, como também há em empresas privadas – no Brasil, esse é um câncer que se espalhou profundamente. Mas, por falta de compreensão do que realmente está se passando, fazemos a escolha mais simples de não questionar os ataques a alvos de qualquer denúncia. Ou a forma ostensiva com que ocorrem, distraindo do verdadeiro problema, mas eliminando gradualmente focos de esperança e reconstrução que possam ainda existir no país.
Precisamos de 96 soldados para conduzir um reitor? O real perigo continua seu processo de destruição do nosso destino. Na última vez em que vi soldados armados na UFRGS, vivíamos em uma ditadura. As universidades públicas podem ter problemas, contudo, sempre foram centros multiplicadores de raciocínio, tecnologia e desenvolvimento. Quando elas estiverem tão enfraquecidas que já não puderem acolher nossos jovens mais promissores, quem vai proteger o nosso futuro?