Desta vez a consulta vem de Mariano H., de Porto Alegre, pai de um casalzinho de gêmeos de cinco anos: “Professor, o pessoal da escola confeccionou um cartaz anunciando para sábado, dia 20 de julho, uma Festa Julina. Procurei no dicionário esse adjetivo mas não encontrei. Sei, entretanto, que o sétimo mês é uma homenagem a Júlio Cesar, mas ainda desconfio que o vocábulo julino não existe. Não seria mais correto escrever no cartaz Festa de Julho ou Festa Juliana?”
Desculpe a franqueza, caro leitor, mas a resposta é um redondo não para todas as três hipóteses, pois nenhuma delas corresponde a um tipo determinado de festa. A forma adequada seria junina, como sempre defendi. Para mim – e não é a primeira vez que digo isso –, julina é mais uma criação artificial, cerebrina, do que um rebento natural na grande árvore da nossa língua, que tem tanto horror a formas supérfluas que não iria criar um adjetivo específico para cada mês. Atribuirmos a junina o sentido restrito de “ocorrida em junho” seria tão absurdo quanto imaginarmos que, na escola, as sabatinas eram sempre aplicadas no sábado ou que a roupa domingueira só deveria ser envergada no domingo. Não há absurdo algum na frase “Naquele sábado, o comércio fechou as portas e o pessoal se enfeitou com a fatiota domingueira”, como também não há em “Em agosto, vou comemorar meu aniversário com uma festa junina”.
O termo junina, aqui, não designa uma data, mas um conceito que vem sendo sedimentado ao longo dos anos: uma festa em que representamos uma visão estereotipada (por nostalgia, para uns; por preconceito, para outros) da antiga vida rural brasileira, baseada na melancólica figura que Monteiro Lobato imortalizou com seu Jeca Tatu e que Mazzaropi ajudou a divulgar com seus filmes (deixo para os antropólogos e sociólogos a avaliação crítica deste personagem).
Se você for convidado para uma Festa dos Anos 20, sabe que isso implica um determinado dress code (para usar uma expressão da língua tupi...). Da mesma forma, se for convidado para uma Festa Junina (ou, como prefiro, uma Festa de São João), sabe que os cavalheiros deverão se apresentar com camisa de xadrezinho, calça na meia canela, lenço no pescoço, chapéu de palha com aba esfiapada, uma “faia” preta no dente e suíças e bigodinho feitos com rolha queimada (assim, ao menos, minha mãe me arrumava para as festas no colégio; acho que essa caricatura não mudou muito até hoje). As damas, por sua vez, deverão portar trancinhas com laço de fita, sardinhas no rosto e vestidinho de chita. Como o Brasil é muito extenso, há pequenas variações regionais, o que autoriza, em nosso Estado, bombacha para eles e vestido de prenda para elas.
O cardápio também foi institucionalizado; se um desses infindáveis programas de culinária solicitasse aos candidatos um menu junino, não poderia faltar o milho em suas variadas manifestações (pipoca, bolo de fubá, milho verde assado na espiga, canjica, pamonha, etc.), mais rapaduras diversas, pé-de-moleque (com hífen e tudo), batata doce assada, amendoim torradinho e pinhão (nos Estados do Sul). Infelizmente, nem São João Batista, o dono da festa, teve o poder de deter a onda pós-moderna, que já introduziu, em alguma regiões, acréscimos exóticos como o cachorro-quente ianque e a batata frita, numa investida irresistível que levará, caro Mariano, ao irremediável sushi.
O anúncio de uma Festa Junina, portanto, traz tudo isso à mente de quem vir o cartaz – independentemente do mês em que ela se realize. É uma promessa de que haverá, também, as danças de sempre, que vão da quadrilha, passam pelo baião e chegam ao forró (o funk ainda não – por enquanto), e as brincadeiras de sempre, como a corrida de saco, a pescaria e o casamento na roça, com o mesmo padre de araque de sempre. Só não veremos os balões de ar quente, suprimidos por óbvias razões de segurança. Você há de concordar comigo, prezado leitor: nem festa de julho, nem julina, nem juliana conseguem evocar tudo isso.