Chegamos, eu e o meu pai, muito cedo ao Estádio Olímpico. Uma cidade vestida de Gre-Nal esperava ansiosamente por um jogo que mudaria o rumo da história. Aquele 25 de setembro de 1977 foi o dia em que o azul do céu se aproximou da terra e uniu, definitivamente, a alma de todos os gremistas.
Um estádio superlotado nos obrigou a sentarmos nas escadas das cadeiras cativas. Lembro a dificuldade de ver muitos lances daquele jogo. Os meus oito anos de idade me faziam ainda menor do que eu já era.
Quando Tarciso errou um pênalti aos 25 minutos meu pai me abraçou e não mais soltou. No final da primeira etapa, André Catimba marcou o gol da redenção. Confesso que não consegui ver a bola na rede e muito menos o salto de barriga do centroavante gremista. A torcida tricolor, naquela tarde, estava composta somente por gigantes.
A partir daquele lance mágico, meus olhos deixaram o campo e se fixaram no meu pai. Assisti todo o restante daquela partida pelo reflexo dos seus olhos cheios de lágrimas. A cada momento que passava nossos olhares se uniam até que viramos uma só imagem.
Meus braços não soltavam a velha bandeira de pano, minha companhia obrigatória em todos os jogos do Grêmio, e a fixação ao meu pai, a essa altura, antevia que teríamos um final feliz. O tempo foi passando e os nossos olhos foram tomados por um choro compulsivo de emoção e ansiedade. Eu chorei por ele e ele, por mim. E nós, naturalmente, choramos pelo Grêmio.
O tempo demorou muito pra passar e a torcida invadiu o campo antes mesmo do jogo acabar. Um Grêmio, aliviado, voltou a sorrir. Aquele não foi um título qualquer. Aquele dia foi um reencontro com os sonhos, com a ilusão, com o passado e com o futuro promissor que o ambiente nos indicava.
Quando todos pulavam, enlouquecidos pelas arquibancadas e cadeiras do Olímpico, meu pai sentou-se, quieto, com as duas mãos sob o rosto. Eu seguia firme ao seu lado, abraçado, atento, como se fosse um seguimento do seu próprio corpo.
Meu pai era conselheiro do clube, havia sido dirigente e sempre, depois dos jogos, tínhamos o costume de ir ao vestiário. Neste dia, no entanto, ele não quis ir. Seu tempo de reflexão nas cadeiras do Estádio Olímpico o fez mudar completamente de idéia. Disse ele:
— Meu filho, hoje nós vamos no teu avô.
Em completo silêncio fomos até o estacionamento como se estivéssemos em outra dimensão. O nosso estado de espírito não permitia sequer que escutássemos a festa ensurdecedora produzida pelos tricolores. Ao chegar no carro, rumamos para a Vila Assunção.
Chegando lá, meu avô Fernando Camargo Dias, também ex-dirigente, nos esperava sentado na sala da velha casa. Uma garrafa de vinho pela metade e um sorriso no rosto. Eles se encontraram e também não falaram, mas seus olhos pareciam dizer muita coisa. Meu pai sentou-se e quebrou o silêncio:
— Muito obrigado, pai.
Meu avô, recompensado, respondeu:
— Isso é o Grêmio, meu filho.
A noite daquele domingo jamais terminou na minha mente e eu sinto até hoje a força da nossa cumplicidade. Meu avô e meu pai já partiram desta vida. Minha missão, por isso, foi seguir com os olhos marejados, sendo o reflexo de todas essas memórias.
Nesta exata dimensão, a imortalidade tricolor daquele 25 de setembro de 1977 fez avô, pai e filho viverem exatamente o mesmo sonho infinitamente. Todos os dias, desde aquela tarde, meu olhar reflete os olhos deles e faz do Grêmio o nosso ponto de conexão.
O destino moveu os caminhos, mas a paixão pelo Tricolor conseguiu o milagre de enganar o tempo e nos colocar, frente a frente, todos os dias, sentados naquela mesma sala e vivendo aquela única emoção.
Essa é a minha homenagem ao Gre-Nal: vivam intensamente o nosso clássico.