O biólogo gaúcho Pedro Fruet foi um dos 12 contemplados por um financiamento da fundação inglesa Whitley Fund for Nature (WFN), que reconhece projetos de impacto significativo na conservação da biodiversidade global.
O cofundador da Kaosa — ONG que coordena o Projeto Gephyreus, uma rede internacional de conservação dos golfinhos — recebeu 100 mil libras (o equivalente a cerca de R$ 720 mil) para dar continuidade a projeto de preservação de botos no Rio Grande do Sul.
O resultado foi divulgado no dia 30 de janeiro, e a iniciativa financiada tem prazo de dois anos.
Os recursos serão direcionados à ampliação das ações para reverter o estado crítico de conservação do boto-de-Lahille, fortalecendo a participação comunitária e a atuação do projeto no Brasil, no Uruguai e na Argentina — área onde ocorre a distribuição da espécie.
Intitulada "Arte, Ciência e Comunidade: Uma Abordagem Holística para Proteger os Botos-de-Lahille", a ação tem como meta reduzir a mortalidade não natural da espécie em 40% ao longo dos próximos anos no sul do Brasil, além de obter mais dados sobre a população.
"Oscar verde"
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A nova etapa do projeto busca ampliar as medidas iniciadas na ação anterior, aprovada pelo WFN em 2021 — na ocasião, Fruet foi agraciado com o Whitley Award, conhecido como o "Oscar verde" da conservação.
O principal objetivo era reduzir a mortalidade dos golfinhos. Para isso, foram iniciadas ações de engajamento da comunidade para a conservação. O resultado foi sutil, mas houve melhora no aumento da sobrevivência dos animais nos últimos anos, segundo o biólogo.
Ser novamente selecionado para receber financiamento é uma honra e uma responsabilidade, pontua Fruet, que também é coordenador do Laboratório de Mamíferos Marinhos do Museu Oceanográfico da Universidade Federal de Rio Grande (FURG):
— Ser selecionado agora reforça a relevância da continuidade desse esforço. Isso mostra que o impacto gerado até aqui foi significativo e que há confiança no potencial de expandirmos ainda mais as ações de conservação dos botos. Além disso, é uma oportunidade incrível de dar maior visibilidade à causa e estreitar parcerias para fortalecer a conservação dos ecossistemas marinhos.
No Projeto Gephyreus, são monitoradas diferentes áreas de estudo: no Brasil, as áreas costeiras de Itajaí e Florianópolis (Baía Norte), o estuário de Laguna, a foz dos rios Araranguá, Mampituba e Tramandaí e áreas estuarinas e costeiras da Lagoa dos Patos; no Uruguai, áreas costeiras entre La Coronilla e La Paloma/Cabo Polônio; e na Argentina, entre Bahía Blanca e Bahía de San Antonio.
Criticamente ameaçados
Pequenos cetáceos costeiros e endêmicos (restritos a uma determinada área) do Atlântico Sudoeste, os botos-de-Lahille têm uma população estimada em menos de 600 indivíduos, com tendência de declínio em certas áreas.
Estão criticamente ameaçados, principalmente devido à captura incidental na pesca e a problemas de saúde relacionados à poluição, explica o biólogo. Trata-se de uma espécie que vive muito, mas se reproduz lentamente.
Embora a pesca com redes de emalhe tenha restrições desde 2014, a mortalidade da população não foi significativamente reduzida, devido às altas taxas de captura no estuário da Lagoa dos Patos. Essa região e as águas costeiras no sul do Brasil são essenciais para a conservação da espécie, já que concentram o maior número de animais e funcionam como uma área de conectividade entre populações.
— Estamos trabalhando para consolidar o funcionamento dessa área de proteção e aumentar a sobrevivência desses animais — explica o biólogo.
É uma oportunidade incrível de dar maior visibilidade à causa e estreitar parcerias para fortalecer a conservação dos ecossistemas marinhos
PEDRO FRUET
Biólogo gaúcho contemplado com financiamento do Whitley Fund for Nature (WFN)
Papel social
Os botos são um componente importante da biodiversidade como um todo, ressalta Fruet. Têm papel fundamental em seus ecossistemas, mantendo-os dinâmicos e provedores de recursos para a pesca. Além disso, desempenham um papel social, destaca:
— Principalmente no sul do Brasil, em Tramandaí, Torres, Araranguá e Laguna, eles ajudam os pescadores a pescar a tainha. Dentro do que a gente conhece, é um comportamento que acontece só neste lugar no mundo. Existe uma conexão muito grande dessas comunidades costeiras com esses animais.
Combate à pesca ilegal
A iniciativa contemplada com o financiamento integra ciência, arte e saberes tradicionais. A proposta do projeto inclui o aprimoramento da capacitação de professores gestores, tomadores de decisão e fiscais para combater a pesca ilegal; a compreensão da dinâmica pesqueira em meio às mudanças ambientais; avaliações da efetividade de políticas públicas para a conservação; e o fortalecimento de campanhas de conscientização sobre a espécie e a conservação ambiental marinha.
Uma mudança na abordagem priorizará os pescadores artesanais, reconhecendo seu importante papel no uso dos recursos e na conservação dos oceanos. O objetivo é ouvir demandas e buscar soluções que viabilizem tanto as atividades econômicas quanto a conservação da espécie.
As ações também envolvem artistas locais, que vão desenvolver réplicas dos animais a serem instaladas em pontos importantes da cidade de Rio Grande — que tem o boto-de-Lahille como símbolo —, de modo a sensibilizar a comunidade. O objetivo é expandir o projeto para além de questões puramente acadêmicas, explica Fruet.
Saúde da espécie
Além disso, pela primeira vez, será realizada uma avaliação básica da saúde da espécie e será desenvolvido um plano para a saúde em colaboração com pesquisadores internacionais. O plano servirá como base para futuros investimentos em programas de monitoramento e buscará garantir a participação ativa de moradores e pescadores.
O objetivo é, ainda, expandir a coleta de dados demográficos e os programas de capacitação de cientistas locais em dois pontos na Argentina, de modo a fortalecer esforços regionais de conservação.
Combinando as informações com dados do sul do Brasil e do Uruguai, as medidas permitirão estimar parâmetros populacionais necessários para atualizar o risco de extinção da espécie de acordo com os critérios da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), em meio a dados esparsos.
— O projeto tem uma importância no sentido de demonstrar que é possível unir o desenvolvimento com a ciência, com a conservação, com as comunidades locais, para que a gente se desenvolva de uma forma mais sustentável, mais harmônica, e coexistir com a natureza — defende Fruet.