Um leilão de 179 animais do Zoológico de Sapucaia do Sul chamou atenção pelo ineditismo da iniciativa: os que derem os maiores lances poderão levar para casa cisnes-negros, pavões, jegues e pôneis. O pregão está marcado para 14 de janeiro e será totalmente virtual. Foram autorizadas visitas para que os interessados examinem os bichos com os próprios olhos.
Embora apoiadores da causa animal tenham criticado o leilão, especialistas defendem que a venda de alguns animais domésticos feita por zoológicos é adequada para controle populacional, evitando uma série de riscos, como disputa por território e propagação de doenças.
Como cisnes-negros, pavões, jegues e pôneis são consideradas espécies domésticas pelo Ibama, e não silvestres, não há restrições legais para sua comercialização. Embora seja o primeiro leilão feito pelo Zoológico de Sapucaia do Sul, fundado em 1962, não é a primeira vez que o órgão vende cisnes-negros, algo que aconteceu em outros momentos durante a gestão da Fundação Zoobotânica, extinta em 2018. Desde então, o espaço é de responsabilidade da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema).
O motivo para o leilão, segundo anúncio da Sema e da equipe técnica do zoológico, é evitar a superpopulação de animais e garantir bem-estar aos que ficam. Contudo, a Agência de Notícias de Direitos Animais (Anda) viu no pregão uma forma de lucrar com os bichos. "O leilão acende um alerta sobre como os animais aprisionados em zoológico são tratados. A decisão reforça a objetificação dos animais, dando a entender que eles são mercadorias e não seres sencientes com direitos próprios", diz texto do veículo publicado em 26 de dezembro de 2024.
Verba com destino indefinido
Serão leiloados 75 pares de cisnes-negros, no valor de R$ 2.957 cada dupla; 20 pavões, a R$ 331,21 cada; sete jegues, a R$ 1.008,33 cada; e dois pôneis, a R$ 2.790,97 cada. Segundo a Sema, o total arrecadado, estimado em R$ 240 mil, será destinado ao Fundo Estadual do Meio Ambiente (Fema). "O Conselho Gestor do Fema será responsável por definir a aplicação dos valores, que ainda não possuem uma destinação imediata definida", acrescentou a entidade em nota encaminhada à reportagem.
Professor e vice-diretor da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), além de coordenador do Preservas – Núcleo de Conservação e Reabilitação de Animais Silvestres, Marcelo Alievi não vê problemas no leilão de animais domésticos feito pelo Zoológico de Sapucaia. Inclusive, diz que é uma prática comum feita por zoológicos em geral.
— Essas quatro espécies que estão em leilão têm certa facilidade na venda porque não há limitações formais. São animais domésticos, e sendo domésticos, podem ser comercializados de forma regular.
Alievi explica que, no caso dos cisnes-negros, presentes em maior quantidade no pregão, a concentração dessas espécies em um mesmo ambiente pode criar desequilíbrio.
— Uma grande quantidade de cisnes no mesmo lugar gera um ambiente de competição, de restrição do espaço físico, com os animais sujeitos à doença. A redução dos cisnes será benéfica para os que vão ficar — afirma.
A explicação para que os cisnes-negros sejam leiloados em lotes de dois é porque são animais de grupo, que geralmente formam casais. Justamente por causa disso sua reprodução é intensa. No Zoológico de Sapucaia do Sul, são gerados em torno de 80 novos filhotes por ano.
Separá-los como medida alternativa de controle populacional, em substituição à venda, afetaria o bem-estar dos bichos, considera a veterinária Mariane Feser, que ajudou a montar o GramadoZoo, em 2011, especialista em Manejo de Fauna Silvestre Amazônica e tem doutorado em Veterinária pela Universidad de Murcia.
— O que é melhor: deixar os cisnes-negros se reproduzirem, e depois vender os novos integrantes, ou, para que eles não se reproduzam, simplesmente tirar os ovos do ninho? É muito melhor para um casal de cisnes deixar que eles se reproduzam e tenham ovos — afirma a profissional.
Outra crítica feita pela Anda é que não há garantias de que esses animais, ao deixarem o zoológico, receberão cuidados adequados. Elaborado pela Central de Licitações do Estado (Celic), o edital do leilão não prevê exigências quanto aos locais para onde os bichos vão, nem prevê fiscalização posterior ao pregão. Na prática, isso permite que um cisne-negro ou um pônei possa ser adquirido e levado para qualquer tipo de ambiente.
Orientações e denúncias
No Zoológico de Sapucaia do Sul, uma área de 780 hectares situada às margens da BR-116, na Região Metropolitana, há três lagos para as quatro espécies de cisnes, incluindo os cisnes-negros, e gramados para jegues e pôneis pastarem e correrem. Os pavões andam livremente, inclusive entre os visitantes; sobem nos galhos das árvores e visitam os viveiros de rinocerontes. Todos são alimentados periodicamente pelos tratadores.
Mariane Feser diz que, quando se tratam de animais domésticos, é o Estado e o município que devem fiscalizar o bem-estar desses bichos, podendo agir a partir de denúncias:
— Se tu tem um jegue no quintal da tua casa e o teu vizinho entender que isso é maus-tratos, ele pode te denunciar, e a secretaria responsável pelo bem-estar animal vai fazer uma visita e avaliar se o bichinho está ou não sendo bem cuidado.
A Sema diz que dará orientação aos compradores do leilão sobre a manutenção da saúde e da alimentação dos animais. "Denúncias de maus-tratos ou ineficiência para atender as necessidades básicas dos animais podem ser encaminhadas à Polícia Civil ou ao Comando Ambiental da Brigada Militar. É importante lembrar que há leis que proíbem a negligência das necessidades básicas dos animais. Manter os animais em locais inadequados, como apartamentos, pode configurar maus-tratos, passíveis de denúncia", completou a entidade.
Uma ressalva que Marcelo Alievi faz ao leilão diz respeito ao dinheiro arrecadado com a venda dos bichos. Para ele, seria importante que toda a quantia fosse revertida para o próprio zoológico, algo que a Sema não garantiu.
— Os zoológicos, como um todo, precisam ser modernizados, garantindo melhorias aos ambientes onde os animais estão.
Segundo a Sema, ainda vão restar aproximadamente 130 cisnes-negros, 20 pavões, 12 jegues e quatro pôneis no Zoológico de Sapucaia do Sul.
Condições mínimas de bem-estar para os animais do leilão*:
Requisitos básicos para todos: acesso à água limpa e à comida, além de acesso ao sol e à sombra.
Cisnes-negros: acesso a um reservatório de água, porque se trata de uma ave aquática. Apesar de precisar ter acesso a um local seco, sem água, se ficar muito tempo neste ambiente, pode ter problemas nas patas. Também precisa da água para fazer a limpeza das penas. Normalmente, usa-se ração para frango para alimentá-los.
Pavões: é uma ave de solo que utiliza poleiros. Precisa de espaço para que possa voar e manifestar o seu comportamento. Normalmente, usa-se ração para frango para alimentá-los.
Jegues e pôneis: Podem viver em baias, com acesso a gramado para pastar e caminhar. Normalmente, são alimentados com ração para cavalo.
*Informações dos veterinários entrevistados nesta reportagem