Os bugios sofrem choques em fios desencapados e morrem eletrocutados com cada vez mais frequência na zona sul de Porto Alegre e em Viamão, na Região Metropolitana. Na terça-feira (7), dois bugios-ruivo morreram após choque com a rede em Itapuã, distrito de Viamão. Diferentes iniciativas vêm sendo feitas para evitar que esses casos ocorram.
Conforme a bióloga Janaína Paula Back, esses animais são arborícolas (vivem em árvores). E os incidentes com eletrocussão acontecem especialmente próximos às figueiras:
— Agora tem frutos e eles vão para essas árvores comer e acabam baixando os galhos ou até mesmo encostando nos fios — relata.
O projeto Macacos Urbanos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atua pela preservação do bugio-ruivo nos dois municípios desde 1993. E registra os acidentes e os óbitos desses animais desde 2018:
Bugios eletrocutados
- 2018 - 4 choques, 3 óbitos (75%)
- 2019 - 2 choques, sem óbitos (0%)
- 2020 - 9 choques, 5 óbitos (55%)
- 2021 - 8 choques, 3 óbitos (37%)
- 2022 - 17 choques, 9 óbitos (53%)
- 2023 - 19 choques, 11 óbitos (58%)
- 2024 - 21 choques, 16 óbitos (76%)
- 2025 (até 8 de janeiro) - 3 choques, 3 óbitos (100%)
A bióloga Danielle Backes Baccon integra o projeto e já resgatou animais feridos após choques elétricos na rede. Para tentar ajudar os bugios, o grupo instala pontes de dossel para a travessia deles. Mas as pontes "não são suficientes para impedir que os animais não levem choques".
Segundo Danielle, é preciso que a fiação seja trocada pela CEEE Equatorial por cabos multiplexados nas redes de média e baixa tensão, seja feita a poda das árvores e o isolamento dos conectores junto aos postes. Quando ocorrem os choques, os resgates são feitos por voluntários.
— Na verdade, a CEEE Equatorial deveria contratar uma equipe terceirizada para fazer os resgates dos animais que estão se machucando e vindo a óbito por conta do trabalho ineficiente deles — diz.
A UFRGS também mantém o Núcleo de Conservação e Reabilitação de Animais Silvestres (Preservas). O coordenador, o médico veterinário Marcelo Alievi, compartilha que o projeto recebeu 12 bugios eletrocutados em 2024. O número é considerado expressivo:
— Nós recebemos os animais eletrocutados e vivos. Certamente, esse número é muito maior.
De acordo com o coordenador, os cuidados das companhias elétricas com as podas de árvores nas regiões onde há bugios precisam ser contínuos. Alievi ainda menciona outro problema com tantas mortes desses animais — o prejuízo para a própria espécie.
— Cada morte de um bugio é toda uma genética que se vai, toda uma variabilidade que tu tens no grupo se perde. O esforço para que se forme um novo grupo. Os bugios são animais que vivem em grupos. Então é importante ter isso na própria hierarquia. Quando tu tens essas mortes, isso representa uma perda inestimável e, muitas vezes, irreparável para aquele grupo de animais. Isso é uma questão importante que precisa ser levada em consideração — lamenta.
Quando tu tens essas mortes, isso representa uma perda inestimável e, muitas vezes, irreparável para aquele grupo de animais.
MARCELO ALIEVI
Coordenador do Preservas
A médica veterinária Gleide Marsicano, da clínica Toca dos Bichos, na Capital, costuma atender casos envolvendo bugios eletrocutados em fios. Os animais que sobrevivem são levados para atendimento no local.
— Fazemos o tratamento clínico cirúrgico e a manutenção desses animais — resume Gleide.
Segundo a médica veterinária, o trabalho de atendimento aos bugios é totalmente voluntário. A Toca dos Bichos mantém, desde fevereiro do ano passado, um bugio acolhido.
— Este bugio não tem mais como voltar para a natureza. Perdeu a movimentação das mãos e veio muito queimado — recorda.
Conforme Gleide, 18 bugios foram encaminhados para a Toca dos Bichos apenas em 2024. Em 90% dos casos, o problema envolvia eletrocussão dos animais. Em função da gravidade das lesões, a imensa maioria foi a óbito.
— Com o crescimento populacional e das construções, os bugios acabam tendo de se locomover para buscar alimento, porque as pessoas tiram as árvores e os corredores para eles passarem de um fragmento de mata para outro — ilustra a veterinária.
Nesse deslocamento, os bugios tocam nos fios elétricos. As partes do corpo mais atingidas são as mãos e a cauda. Alguns morrem e ficam pendurados, às vezes, por dias na fiação. Gleide destaca que, infelizmente, "esses fios estão desencapados". O que também poderia ajudar os animais seria a implantação de mais passarelas aéreas, o que existe em alguns lugares.
— Essas pontes são fundamentais para a sobrevivência deles. Mas, se os fios não fossem desencapados, as pontes não seriam tão importantes — pondera.
Muitos bugios que sobrevivem ao trauma ficam impossibilitados de voltar para a natureza. Este é outro problema que está longe de solução. Não existe um plano definido para um acompanhamento permanente dessas vítimas da fiação desencapada.
— Esse é um problema gravíssimo. Está todo mundo superlotado desses bichos e são poucos locais que tem condições de recebê-los. O que está com a gente necessita de cuidados especiais o resto da vida dele. Precisa receber papinhas e suplementos, ter plataformas para subir e descer. O que fazer com esses animais? — questiona.
MPRS pediu indenização
Em 16 de fevereiro de 2024, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) ajuizou uma ação civil pública solicitando medidas paliativas e indenização à CEEE Equatorial por bugios eletrocutados nos dois municípios.
Infelizmente, esses fios estão desencapados. É um absurdo as empresas manterem fios desencapados. Hoje em dia é inimaginável uma empresa fazer isso
GLEIDE MARSICANO
Médica veterinária da Toca dos Bichos
Segundo o MPRS, 25 animais morreram e outros 15 ficaram feridos apenas no período entre dezembro de 2021 e 16 de fevereiro de 2024. A ação estipulava multa de R$ 20 mil por animal ferido. O valor chegava a R$ 50 mil, em caso de animal morto. Conforme a promotora de Justiça do Meio Ambiente, Annelise Monteiro Steigleder, há tratativas para acordo com a concessionária.
— O Ministério Público entende muito importante que a CEEE tenha uma atuação pronta, de rápido atendimento e isolamento dos cabos nos diversos lugares onde vêm ocorrendo essas mortes, como na cidade de Viamão, que também está sendo atingida, em especial em torno do Parque Estadual de Itapuã. Por isso o acordo também vai ter que incluir essa região — afirma.
PL sobre prevenção de acidentes elétricos com animais silvestres
Um projeto de lei de autoria do deputado estadual Matheus Gomes (PSOL) visa criar uma política de prevenção de acidentes elétricos com animais silvestres. Em novembro de 2024, o PL 331/2024 foi protocolado na Assembleia Legislativa. A proposta foi preparada em conjunto com ativistas, pesquisadores e servidores. A expectativa é de que o trâmite seja rápido e votado nos próximos meses.
— Os estudos mostram que 56% das mortes dos bugios-ruivos têm a ver com eletrocussões ou com outras ações humanas que causam isso — cita o deputado estadual.
O projeto sugere o isolamento das conexões de cabos multiplexados, a instalação de protetores nos conectores e cabos para proteção adicional, incluindo o Protetor Preformado de Pássaros (produto destinado a deixar a linha aérea e estruturas visíveis aos pássaros e fornece meios econômicos de atenuar o risco às linhas e as aves); a necessidade de fiscalização periódica para identificar e prevenir instalações clandestinas, a execução de podas regulares nas árvores próximas aos postes; e a colocação de pontes aéreas.
Para o deputado, a CEEE Equatorial não tem cumprido as suas obrigações para a preservação do animal nessas regiões:
— Estamos falando de uma espécie de primata que está ameaçado de extinção. A Equatorial tendo uma postura totalmente negligente, ela está colaborando para que a gente possa ter uma espécie que fique cada vez mais ameaçada.
O PL ainda aponta instrumentos como o Plano de Adaptação e o Protocolo de Prevenção. O primeiro busca compilar as ações a serem feitas pelos responsáveis nas estruturas elétricas já existentes, enquanto o segundo visa o detalhamento de procedimentos para o cumprimento da legislação.
É totalmente inaceitável a gente ter casos de bugios que são eletrocutados e ficam na rede elétrica por dias.
MATHEUS GOMES
Deputado estadual
Secretaria do Meio Ambiente monitora as populações
A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) informou que "desenvolve, por meio da sua Divisão de Pesquisa, estudos com armadilhas fotográficas para monitorar as populações na Zona Sul de Porto Alegre e em Viamão, locais com ocorrência desta espécie, ameaçada de extinção."
Em relação à ação civil pública movida contra a concessionária sobre a eletrocussão de bugios, a Sema assegura que "está colaborando com o processo no sentido de sugerir caminhos e estratégias para evitar e reduzir os números de bugios eletrocutados (confira, mais abaixo, a nota na íntegra)".
Concessionária afirma que já trabalha na troca de cabos
O superintendente da Regional Norte da CEEE Equatorial, Sergio Valinho, explica o que tem sido feito para que os animais não sofram ferimentos ou percam a vida em contato com os fios energizados:
— Estamos delimitando um acordo com papéis e responsabilidades, onde temos identificado regiões mais críticas, com base no histórico, a gente registra a maior quantidade de incidentes. E para essas regiões temos feito um trabalho de direcionamento da poda — detalha.
Conforme o superintendente, é a partir da arborização urbana, ou da privada, que o bugio acessa a rede elétrica. Ele afirma que a rede tem sido avaliada e cabos têm sido trocados, sobretudo na rede de baixa tensão, onde houve o caso mais recente.
— As iniciativas partem por afastar a arborização da rede elétrica nesses trechos de maior incidência e também substituir a rede de baixa tensão e promover o isolamento de conexões dessa rede para que a gente evite que um incidente aconteça — observa.
Temos feito a substituição de condutores. Já trocamos mais de 6, 7 quilômetros de rede nessas regiões por condutores que oferecem maior segurança para o bugio.
SERGIO VALINHO
Superintendente da Regional Norte da CEEE Equatorial
Neste momento, as partes discutem quais são as regiões onde os bugios têm sofrido os choques. O trecho de rede onde ocorreram as duas últimas mortes já foi substituído.
— Temos feito a substituição de condutores. Já trocamos mais de 6, 7 quilômetros de rede nessas regiões por condutores que oferecem maior segurança para o bugio — informa.
Apesar de o acordo com o MPRS ainda não estar selado, a concessionária assegura que atua para resolver o problema. A CEEE Equatorial estima que cerca de 25 quilômetros de rede precisarão ser substituídos nos locais onde os incidentes são frequentes.
O que diz a prefeitura de Porto Alegre
A Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) disse, por nota, que "os animais são resgatados e levados para tratamento veterinário quando necessário". Confira a nota:
"A Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) atua sistematicamente nas ocorrências envolvendo bugios. Os animais são resgatados e levados para tratamento veterinário quando necessário. A Smamus também participa, junto ao MP, das audiências de mediação com a Equatorial para construção de um plano de ação, o qual já avançou, mas ainda não está concluído. Identificou-se a necessidade de que seja elaborado um planejamento pela concessionária que contemple tratamento diferenciado para as infraestruturas elétricas localizadas nas áreas vulneráveis, de fluxo das populações de bugios."
O que diz a prefeitura de Viamão
A Secretaria de Meio Ambiente de Viamão destaca que o local do incidente mais recente seria de responsabilidade do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer).
A nota também diz o que a prefeitura tem feito nos casos dos bugios eletrocutados. Confira abaixo:
"A Prefeitura de Viamão, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, informa que está acompanhando o caso monitorando outros pontos de risco. Embora a Rodovia Frei Pacífico seja uma via estadual, de responsabilidade do DAER, estamos acompanhando o desenrolar.
Em relação à prevenção, todos os processos de licenciamento passam por análise, que pode incluir a necessidade de instalação de "passa-fauna" por parte do licenciado.
Quanto às vias públicas, a SMMA realizará levantamento para identificação de pontos de risco ainda desprovidos de proteção."
O que diz o Daer
O Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) encaminhou nota em que assegura que "que tem atuado ativamente na proteção da fauna ao longo das rodovias sob sua responsabilidade." Também afirma que as mortes dos bugios na Rodovia Frei Pacífico "estão relacionada à rede elétrica, responsabilidade da concessionária CEEE Equatorial". Confira abaixo:
"O Daer informa que tem atuado ativamente na proteção da fauna ao longo das rodovias sob sua responsabilidade. Entre as iniciativas realizadas, destacamos a instalação de passagens aéreas de "passa-fauna" na ERS-118 e o planejamento de novas estruturas similares. O Departamento realiza ações em parceria com a Fepam e o Programa Macacos Urbanos.
Esta semana, foi realizada vistoria na ERS-118 para avaliar a necessidade de ajustes.
Especificamente sobre as mortes de bugios por eletrocussão na Rodovia Frei Pacífico, o Daer esclarece que essas estão relacionada à rede elétrica, responsabilidade da concessionária CEEE Equatorial.
O tema vem sendo acompanhado de perto pelo Programa Macacos Urbanos, que pode ser procurado para mais esclarecimentos."
O que diz a Sema
"A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) informa que, dentro das suas estratégias de preservação e proteção ambiental, atua na criação de políticas públicas para a fauna silvestre e doméstica.
Atualmente encontra-se em discussão, na Câmara Técnica de Planejamento Ambiental do Conselho Estadual do Meio Ambiente, a proposição de uma normativa que prevê a adoção de medidas protetivas à fauna silvestre por parte das companhias de energia elétrica no Rio Grande do Sul.
Especificamente sobre os bugios-ruivos (Alouatta guariba), desenvolve, por meio da sua Divisão de Pesquisa, estudos com armadilhas fotográficas para monitorar as populações na Zona Sul de Porto Alegre e em Viamão, locais com ocorrência desta espécie, ameaçada de extinção. Por meio da Divisão de Fauna, elabora projeto que visa auxiliar financeiramente os locais que atualmente realizam atendimento aos animais silvestres de maneira voluntária, visando, além da contrapartida e valorização dos estabelecimentos parceiros, ampliar os locais de atendimento.
Além disso, integra o Programa de Manejo Populacional Integrado para a espécie, coordenado pelo Instituto Chico Mendes do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. A Sema trabalha, ainda, no projeto de Centros Estaduais de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), para ampliar a participação do Estado em relação aos conflitos de fauna silvestre.
No âmbito de uma Ação Civil Pública movida contra a companhia de energia elétrica sobre a eletrocussão de bugios na Zona Sul de Porto Alegre, a pasta informa que está colaborando com o processo no sentido de sugerir caminhos e estratégias para evitar e reduzir os números de bugios eletrocutados. A equipe do Parque Estadual de Itapuã participa das discussões e atua nos resgates e encaminhamento dos bugios eletrocutados no seu entorno.
Do ano de 2018 a 2024 foram registrados 11 eletrocussões em bugios no município de Viamão. Os dados são atualizados por meio das informações fornecidas pelo Núcleo de Extensão Programa Macacos Urbanos Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A Sema acrescenta que compartilha com município e união a responsabilidade de destinação dos animais atingidos para tratamento, soltura ou encaminhamento para mantenedouros de fauna."