Após a enchente de maio, as mudanças no Código Estadual do Meio Ambiente (Cema) do Rio Grande do Sul voltaram a ser objeto de questionamentos de entidades da área. A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) divulgou à imprensa nesta quinta-feira (5) um documento que elenca 150 pontos do código que sofreram alterações e, segundo a ONG, fragilizam a proteção do meio ambiente.
Segundo a entidade, foram realizadas omissões ou supressões de pontos importantes da legislação, enfraquecimento de medidas e modificações de linguagem no texto que podem gerar aumento dos problemas socioambientais, sobretudo com novos eventos climáticos que podem atingir o Estado.
O relatório traz críticas, sugestões e uma tabela comparando o antigo Código Ambiental do RS (Lei 11.520/2000) com o mais recente (Lei 15.434/2020), listando as alterações (leia a íntegra ao final da reportagem).
A ONG cobrou retorno do governo do Estado a respeito dos apontamentos e aguarda nova reunião para debater os pontos levantados. O material foi encaminhado no dia 15 de agosto ao gabinete do governador Eduardo Leite e à titular da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado (Sema), Marjorie Kauffmann.
Em nota, a Sema informou que a equipe técnica da pasta já concluiu a análise do relatório e um novo encontro do governo com a entidade deve ser realizado ainda em dezembro.
O documento foi produzido após reunião no dia 7 de junho, em que representantes da Agapan discutiram o tema com o governador, com a secretária Marjorie e integrantes da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
Participaram de coletiva de imprensa nesta quinta o diretor técnico e científico da Agapan, Francisco Milanez, o advogado Beto Moesch, que é conselheiro da Agapan e ex-secretário de Meio Ambiente de Porto Alegre, o presidente da entidade, Heverton Lacerda, e o professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Gonçalo Ferraz.
Além do grupo, contribuíram na elaboração do documento analistas da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e o professor da UFRGS Fernando Gertum Becker.
"Destruição da legislação ambiental"
Para os representantes da Agapan, as mudanças implementadas no novo código "parecem seguir três princípios de ação: eliminar, enfraquecer, subverter". Milanez avaliou como uma "destruição da legislação ambiental do Estado".
— O Código Florestal do Estado previa, por exemplo, um plano de manejo para matas que não estão em Área de Preservação Permanente ou áreas de reserva legal. Isso já estava consolidado e foi suprimido. Essas alterações não só comprometem a biodiversidade, mas também a água e o solo, e agravam as mudanças climáticas — afirmou Moesch.
O último artigo do novo código revoga 13 artigos e um parágrafo único do antigo, que tratavam sobre o código florestal, sendo um dos principais pontos criticados pela Agapan. Os questionamentos também abrangem pontos como a supressão de diretrizes técnicas para elaboração de estudos e relatórios de impacto ambiental, bem como ferramentas e mecanismos de controle da qualidade do ar. Além das alterações, foram eliminados 59 artigos e inseridos 46.
Novas mudanças no código sancionadas em abril deste ano já haviam gerado críticas de entidades. Na época, foi aprovado projeto de lei que permite infraestruturas de irrigação em Áreas de Preservação Permanente. Em nota, a Sema diz que as alterações promovidas no código não fragilizaram a proteção ambiental.
De acordo com a pasta, "a alteração na legislação buscou entregar à sociedade o fortalecimento dos mecanismos de proteção ao meio ambiente; bem-estar à população; fomento ao empreendedorismo; e valorização das boas práticas adotadas na proteção ambiental e segurança jurídica, havendo um maior alinhamento com a legislação federal".
Mudança estão em pauta no STF
A flexibilização de centenas de pontos do Código do Meio Ambiente do Estado foi aprovada pela Assembleia Legislativa gaúcha após 75 dias de tramitação, entre setembro e dezembro de 2019.
Uma ação presentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2020 aponta inconstitucionalidade da lei no ponto que trata sobre o autolicenciamento ambiental. A Advocacia-Geral da União (AGU) e o governo do Rio Grande do Sul também se manifestaram no processo.
Os órgãos do governo federal alegam que o trecho extrapola os limites que os Estados brasileiros têm para criar formatos próprios de avaliação ambiental.
O estabelecimento da Licença Ambiental por Compromisso (LAC) — popularmente conhecido como autolicenciamento —, permite que autorizações para 47 atividades econômicas de baixo, médio e alto potencial poluidor sejam emitidas em até 48 horas, em uma plataforma online.
A licença é emitida após o empresário aderir ao compromisso com o meio ambiente, sem que haja verificação ou fiscalização no local da atividade exercida. Na ação, o governo do Estado argumenta que o poder público já tinha estudos anteriores à emissão de licenças, os chamados zoneamentos ambientais.
O processo está em julgamento no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF), com previsão de conclusão nesta sexta-feira (6). A movimentação ocorreu após três anos sem mudanças.
Leia a íntegra do relatório
Leia a nota enviada pela Sema
"As alterações legais promovidas dentro das estratégias da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado não enfraqueceram a proteção ambiental. Pelo contrário. A construção da atualização do Código Ambiental do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, sancionado em 2020, teve como base amplas discussões que envolveram sociedade e instituições como a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). A atualização alinhou a lei estadual à federal. A modernização acompanhou as transformações da sociedade, tornando a legislação aplicável, priorizando a proteção ambiental, a segurança jurídica e o desenvolvimento responsável.
Não é verídica a informação de que o debate sobre o tema teria durado 75 dias. A discussão sobre o código teve início em 2016, contou com a participação da sociedade por meio de consultas públicas, colaboração de órgãos ambientais e de controle, e contou com a aprovação da Assembleia Legislativa, representante do povo.
Entre as alterações incluídas no novo código, está a inclusão do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), instrumento de estímulo à proteção ambiental que prevê a remuneração daqueles que preservam áreas privadas. Dentro do Código do Meio Ambiente, também ficou estabelecida, por exemplo, a proteção do Bioma Pampa, até então não contemplado.
Em 2023, houve um aumento de 269% na adesão à Servidão Ambiental, resultando na preservação de 1.569 hectares. O Estado também registrou uma redução de 55% no desmatamento, com uma queda de 50% na supressão de vegetação nativa no Pampa, conforme dados do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD) divulgado em maio pelo MapBiomas. Isso reflete as ações de fiscalização e a colaboração com municípios para fortalecer a gestão florestal.
Mesmo após a sanção do novo código, a regulamentação conta com a participação da sociedade, representada por meio do Conselho Estadual do Meio Ambiente, fórum democrático que delibera sobre os regramentos ambientais.
Das mais de 500 atividades licenciadas pela Fepam, apenas 49 atividades são licenciadas via Licenciamento Ambiental por Compromisso. De cerca de 20 mil documentos licenciatórios emitidos pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental desde 2021, ano em que a LAC foi regulamentada pelo Consema, apenas 187 licenças foram emitidas nesta modalidade. Cerca de 90% delas são renovações de licenças já emitidas pelos processos trifásicos.
Para esclarecer, licenciamentos ambientais de maio impacto, que contam Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e seguem sendo trifásico o licenciamento, precisam atender a diversos ritos de publicização e de participação popular, inclusive com a realização audiências públicas.
Especificamente sobre a Agapan, no dia 7 de junho de 2024 o governador Eduardo Leite recebeu a instituição, juntos com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) e a Fepam, no Palácio Piratini, para entender quais teriam sido os pontos alterados nos códigos ambiental e florestal que, no entendimento da Agapan, teriam fragilizado a proteção ambiental no estado do Rio Grande do Sul.
Como encaminhamento da reunião, foi solicitado que os representantes da Associação indicassem e justificassem especificamente quais teriam sido os dispositivos alterados nestas normativas que teriam prejudicado a proteção ambiental no estado. A Associação encaminhou o OF. AGAPAN Nº 1971/2024, de 15 de agosto de 2024, endereçado ao Governador do Estado, o qual redirecionou o documento para avaliação da equipe técnica da Sema.
A equipe técnica da pasta, por sua vez, já concluiu a análise do documento. O próximo passo será solicitar a indicação de representantes da Agapan para participar da reunião para discussão técnica dos dispositivos destacados, prevista para ocorrer ainda no mês de dezembro de 2024.
A Sema reafirma a sua convicção de que as alterações promovidas no Código do Meio Ambiente (Lei n° 15.434/2020) não fragilizaram a proteção ambiental. A alteração na legislação buscou entregar à sociedade o fortalecimento dos mecanismos de proteção ao meio ambiente; bem-estar à população; fomento ao empreendedorismo; e valorização das boas práticas adotadas na proteção ambiental e segurança jurídica, havendo um maior alinhamento com a legislação federal.
O governo reforça, ainda, a necessidade de adaptação para garantir a sobrevivência na Terra. Por isso, assinou compromissos ambientais internacionais, como Race to Zero e Race do Resilience, estruturando planos de ação para a contribuição do Estado com a descarbonização. Um exemplo é o Plano ABC +, programa dedicado à agricultura de baixa emissão de carbono. Reconhecendo a importância da pauta, em 2023 lançou o ProClima2050, que reúne ações e políticas públicas pensando na mitigação das emissões, na adaptação e na resiliência climáticas.
Além disso, após as enchentes de maio, que em nenhum momento podem ser atribuídas às alterações da lei, lançou o Plano Rio Grande de Reconstrução. Os Conselhos do Plano Rio Grande contam com uma ampla participação popular, sendo fóruns abertos a qualquer interessado em participar das discussões e que tenham proposições para alcançarmos a reconstrução resiliente do Estado."
*Colaborou Lucas de Oliveira