O óleo de fritura utilizado nas residências de Porto Alegre poderá ter um novo destino ainda neste ano: a usina de reciclagem do bairro Bom Jesus, na zona leste, onde passará por um processo de filtragem e separação. O óleo filtrado, por sua vez, será comercializado como matéria-prima para produtores de sabão, vela, ração animal, detergente ou combustível (biodiesel).
A usina é uma iniciativa do Centro de Triagem da Vila Pinto (CTVP), segmento que é o carro-chefe do Centro de Educação Ambiental (CEA) do bairro Bom Jesus. Na segunda-feira (8), o Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL) do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) assinou Termo de Fomento que destina mais de R$ 240 mil para a execução do projeto.
Com a instalação da usina de filtragem de óleo, o objetivo é possibilitar a destinação adequada desses resíduos gordurosos, a geração de emprego e renda, bem como a sensibilização e educação ambiental dos moradores da comunidade local e dos potenciais fornecedores do material. O termo assinado visa também à sustentabilidade financeira do Centro de Triagem, que desenvolve diversas iniciativas em favor de crianças, adolescentes, adultos e idosos.
Sergio Harris, subprocurador-geral de Gestão Estratégica e presidente do FRBL, comenta que o projeto foi um dos escolhidos porque tem um impacto ambiental muito positivo e atua em função do desenvolvimento da comunidade onde será instalada a usina:
— Nos empenhamos bastante (em aprovar o projeto) porque visualizamos uma possibilidade de inserção social muito boa, o que também faz parte do nosso objetivo, além da proteção ambiental.
Criação do projeto
O CEA foi fundado há 25 anos por Marli Medeiros. Atualmente, com uma média de 50 colaboradores, atende 35 recicladores e cerca de 450 crianças e adolescentes. Luiz Henrique Lima Vieira, neto dela e um dos representantes do CEA Bom Jesus, explica que a instituição também conta com um centro cultural e uma escola de Educação Infantil, mas que foi no Centro de Triagem onde tudo começou, ainda na década de 1990.
— A Marli queria buscar soluções econômicas para uma periferia que era completamente desassistida como a Bom Jesus, então ela começa a encontrar no lixo o conceito de resíduo, que pode ser tratado, reciclado e comercializado para gerar renda e lucro para as famílias da comunidade — conta.
De acordo com Vieira, a ideia da usina surgiu há quatro anos, quando começou a pensar em novos projetos que pudessem trazer sustentabilidade e valorização para as famílias da comunidade, mas que, ao mesmo tempo, cuidassem do ambiente. Nesse período, ao fazer um diagnóstico de Porto Alegre, ele percebeu que a cidade ainda não tinha uma usina de filtragem de óleo doméstico:
— Esse óleo, que todo dia sai de milhares de casas, está indo parar no Arroio Dilúvio, no Guaíba e, consequentemente, no oceano. Nós estamos todos os dias poluindo o ambiente por falta de projetos que tratem esse tipo de resíduo.
O projeto também contou com o apoio voluntário de um grupo de acadêmicos de Geografia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), que fez um estudo geoespacial da cidade para saber por onde começar a captar esses resíduos.
Impacto ambiental
Para Carlos Alexandre dos Santos, professor do curso de Engenharia Mecânica da PUCRS, que coordena o laboratório de motores e combustíveis alternativos da Escola Politécnica da instituição, esse projeto será muito vantajoso para o ambiente, considerando que o óleo ainda é descartado de maneira incorreta pela maioria das pessoas.
— Ele (óleo) pode ficar na superfície, entrar em contato com os animais e acabar gerando danos. Também vai para riachos e arroios, e se chega em uma estação de coleta de água, dificulta ainda mais o processo de tratamento. No solo, é absorvido e contamina os lençóis freáticos — esclarece.
O professor afirma que Porto Alegre já teve uma pequena usina semelhante, em formato piloto, que começou com um projeto da PUCRS, mas acredita que essa do CEA será a primeira a decolar e realmente envolver toda uma comunidade. Ele também comenta que existem algumas iniciativas semelhantes no país, sendo algumas de muito sucesso e outras que ainda não decolaram por falta de apoio financeiro:
— Ainda falta um olhar um pouco mais cuidadoso do governo nessa questão. É extremamente importante não só para a cidade, como também para a comunidade e para o ambiente. Essas iniciativas deveriam existir em todos os bairros, nas cooperativas e nas áreas rurais, porque todo processo onde se consegue reutilizar um resíduo urbano doméstico é vantajoso para a sociedade.
Próximos passos
Sergio Harris explica que o valor que será destinado ao centro será liberado em aproximadamente 40 dias, após a etapa burocrática de remessa dos documentos. A partir da liberação, será iniciada a execução do plano de trabalho do projeto.
— À medida em que eles forem executando as etapas, eles vão prestando contas e essas prestações de contas são aprovadas. Todo valor liberado é controlado para a destinação à qual foi aprovada no projeto — salienta o subprocurador-geral.
Segundo Luiz Henrique Lima Vieira, o primeiro passo será o diagnóstico e mapeamento da região leste da Capital, por onde o centro começará a coletar o resíduo. Ele ressalta que também será preciso iniciar a comunicação e conscientização da comunidade sobre o óleo, já que até então as pessoas não sabiam onde colocar ou que poderia ser reciclado, além de reformar o espaço onde ficará a usina e comprar os equipamentos e maquinários necessários.
— Agora tem toda essa parte da educação social, que é o que o centro faz há 25 anos. Aprendi com a minha avó como criar uma conexão dentro da sociedade civil para o desenvolvimento da nossa comunidade — conclui.
Produção: Jhully Costa