
O gás metano oferece uma animadora perspectiva de verificar a existência de vida sob a paisagem árida de Marte; no entanto, ele tem uma característica desconcertante para os cientistas.
Este mês, cientistas anunciaram que uma análise cuidadosa dos dados coletados pela sonda Mars Express, da Agência Espacial Europeia, revelou uma fumarola de metano subindo acima da cratera Gale, perto do equador marciano, em junho de 2013. A medição ocorreu apenas um dia após a detecção de níveis elevados de metano pelo rover da NASA, que explorava o interior dessa cratera.
Mas, agora, uma nova espaçonave europeia, a Sonda Rastreadora de Gases ExoMars, não encontrou metano algum.
"É bem difícil conciliar os dois achados", declara o pesquisador Oleg Korablev, do Instituto Russo de Pesquisas Espaciais, principal responsável pela sonda rastreadora que vasculhou a atmosfera marciana em busca de metano.
A nova espaçonave entrou em órbita ao redor de Marte em 2017, levando instrumentos mais sensíveis do que a Mars Express, que chegou em 2003. Embora a Sonda Rastreadora de Gases até agora não tenha encontrado metano, isso não significa que a Mars Express e o Curiosity erraram.
Caso o metano esteja presente na fina atmosfera marciana, será muito significativo, pois a luz solar e as reações químicas decompõem suas moléculas em apenas alguns séculos. Portanto, qualquer metano detectado agora só pode ter sido liberado recentemente.
Quase todo o metano existente na Terra é produzido por organismos vivos, embora também possa ser gerado por reações geotérmicas abióticas.
Korablev e seus colegas anunciaram seus achados na quarta-feira, em uma reunião da União Europeia de Geociências, em Viena, e em um artigo publicado na revista "Nature".
Nesse artigo, os cientistas informam que o primeiro lote de dados científicos, de abril a agosto de 2018, não mostrou sinais de metano. Korablev acrescenta que as leituras feitas desde então também estão zeradas.
A sensibilidade do instrumento da sonda permite concluir que o ar contém menos de 50 partes de metano por trilhão. Isso contradiz as leituras do Curiosity, que detectaram metano em níveis 10 vezes maiores.
A fumarola de 2013 observada pelo Curiosity e pela Mars Express era ainda mais impressionante: cerca de 100 vezes mais metano do que nos dados da Sonda Rastreadora de Gases.
"Então, o que está havendo?", pergunta Dorothy Oehler, cientista sênior do Instituto de Ciência Planetária, sediado em Tucson, no Arizona. "Ninguém sabe, na verdade."
Oehler trabalhou na pesquisa com a Mars Express, mas não com a Sonda Rastreadora de Gases.
Os pesquisadores anunciaram a detecção de metano na atmosfera marciana pela primeira vez 15 anos atrás, com base em medições feitas pela Mars Express e por telescópios na Terra. Mas, como aquelas evidências estavam no limite do que os instrumentos conseguiam medir, muitos cientistas se mantiveram céticos a respeito.
A Sonda Rastreadora de Gases usa uma técnica diferente. Ela analisa a luz passando pela atmosfera do planeta quando o Sol está atrás de Marte. Cada molécula específica na atmosfera absorve uma cor específica da luz solar e pode, assim, ser identificada.
Até agora, o metano não foi detectado.
Como nuvens e poeira embaçam a luz do Sol, a Sonda Rastreadora de Gases está analisando a atmosfera vários quilômetros acima da superfície, pelo menos, enquanto o Curiosity está medindo o que está na superfície do planeta.
No entanto, a Sonda Rastreadora de Gases e o Curiosity estão voltados para regiões diferentes. A sonda ainda está por fazer uma medição diretamente sobre a cratera Gale. Como nuvens e poeira embaçam a luz do Sol, a Sonda Rastreadora de Gases está analisando a atmosfera vários quilômetros acima da superfície, pelo menos, enquanto o Curiosity está medindo o que está na superfície do planeta.
Além disso, no ano passado Marte foi envolvido por uma enorme tempestade de poeira – a mesma que deu fim à missão do rover Opportunity da NASA. Em 2018, o rover Curiosity fez apenas uma única medição de metano, em junho. Alguns cientistas opinam que, naquela ocasião, o metano na atmosfera pode ter se prendido às partículas de poeira da tempestade, acelerando seu desaparecimento.
Ainda assim, os cientistas já esperavam que qualquer metano liberado se misturasse à atmosfera marciana, assim como uma gota de corante se dispersa em um copo d'água.
Christopher Webster, cientista do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA que lidera as medições de metano do Curiosity, argumenta num e-mail que os novos resultados "mostram que os níveis-base do Curiosity não são representativos do planeta como um todo, e só isso já é uma grande surpresa".
A princípio, Oehler conjeturou que poderia haver algo errado com o instrumento a bordo da Sonda Rastreadora de Gases. No entanto, os cientistas que trabalham na missão convenceram-na de que a sonda estava identificando corretamente outras moléculas na atmosfera.
O metano parece flutuar episodicamente na atmosfera, disse ela, apontando que tanto o Curiosity quanto a Mars Express observaram o metano no mesmo lugar ao mesmo tempo em 2013.
"Para mim, isso meio que bateu o martelo", comenta. "Seria coincidência demais."
Com o mistério, os cientistas aventam possibilidades bizarras, mas que não podem ser totalmente descartadas.
Não só é possível que haja micróbios produzindo metano nas rochas de Marte, mas "talvez haja alguma bactéria que utilize metano e o devore no mesmo minuto em que é produzido", cogita Oehler. (Embora ela também note que seria difícil explicar como bactérias subterrâneas devoradoras de metano poderiam sugar o metano do ar.)
Isso também intriga Lisa Pratt, oficial de proteção planetária da NASA, responsável por limitar a contaminação humana em Marte.
"O mistério da aparição e do desaparecimento do metano na atmosfera marciana continua sendo a indicação mais convincente de que há vida no subsolo de Marte", afirma Pratt. "Precisamos agora de um conjunto de observações cuidadosamente planejadas e coordenadas entre a Sonda Rastreadora de Gases e o Curiosity."
Por Kenneth Chang