
O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) abriu uma sindicância para apurar a conduta das três médicas afastadas após a morte de um bebê depois do parto. As obstetras foram afastadas das funções no Hospital Centenário, de São Leopoldo, no Vale do Sinos. A Polícia Civil está investigando o caso.
De acordo com o presidente do Cremers, Eduardo Neubarth Trindade, objetivo é avaliar se houve negligência ou erro médico. A sindicância tem o prazo de 180 dias para ser concluída:
— Solicitamos o prontuário de atendimento ao hospital e todos os documentos necessários para podermos avaliar a conduta. Caso seja comprovada negligência, poderá ser determinada a interdição cautelar das médicas envolvidas — explicou Trindade.
A recém-nascida morreu na quarta-feira (9), após ser encaminhada para o Hospital Conceição, em Porto Alegre. De acordo com o relato do pai, a esposa, de 35 anos, deu entrada no hospital relatando dores na tarde de segunda (7). A gravidez era considerada de risco devido à diabete gestacional.
A equipe de obstetrícia decidiu induzir o parto normal na manhã do dia seguinte, mas o procedimento não ocorreu da maneira esperada, conforme o pai, de 34 anos. Segundo ele, os médicos negaram a realização de cesárea. A mãe recebeu alta na última terça-feira (15).
De acordo com o Hospital Centenário, as obstetras são terceirizadas e foram contratadas por uma empresa para prestar serviço de saúde. Além de afastar as médicas, a instituição abriu uma sindicância interna. Elas não tiveram os nomes divulgados.
Procurada pela reportagem, a Medlife, empresa responsável pela gestão das profissionais, informou que o afastamento delas "decorre de um pedido da administração". A empresa lamentou o ocorrido e afirmou que está à disposição para contribuir com as investigações.
Conforme o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), em nota, a complicação médica registrada no parto é classificada como imprevisível (leia a íntegra abaixo).
O Simers também avalia que a gestante não teve atendimento completo durante o pré-natal, além da falta de acompanhamento do controle glicêmico durante a gestação. A entidade manifestou solidariedade à família e se posicionou contra pré-julgamentos aos profissionais envolvidos no caso.
Polícia investiga o caso
As circunstâncias da morte da recém-nascida estão sendo investigadas pela Polícia Civil. De acordo com o delegado responsável pelo caso, André Serrão, as profissionais envolvidas na ocorrência devem depor na próxima semana, após o feriado de Tiradentes. Elas serão ouvidas na condição de testemunhas, já que o trabalho ainda está na fase inicial.
Ainda segundo o delegado, caso fique comprovado que algum procedimento irregular foi adotado, as médicas podem ser responsabilizadas por homicídio culposo, com pena de três anos, podendo chegar a quatro. A defesa delas informou que ainda não teve acesso ao inquérito. A mãe da criança também deve prestar depoimento.
Relembre o caso
A criança morreu na quarta-feira (9) após complicações no parto normal induzido. O relato do pai da criança indica que a esposa "fez força por muito tempo, estava fraca", e que eles pediram pela cesárea, o que foi negado pelos médicos.
— Depois de muito tempo, saiu parte da cabeça da bebê e trancou, não conseguiram mais tirar. Foi nesse momento que começou o terror. Uma obstetra pulou em cima da minha esposa para tentar tirar a nenê, enquanto outra médica puxava. Depois, tentaram empurrar a minha filha de volta e não conseguiram. Aí que decidiram fazer a cesárea — contou o homem.
Após a cirurgia, a recém-nascida foi encaminhada ao Hospital Conceição, em Porto Alegre. Ainda conforme o pai, foi no Conceição que ele teve noção da gravidade do quadro da sua filha. A menina morreu por volta das 16h do dia 9 de abril. A criança foi sepultada em Novo Hamburgo.
— Ela ficou 10 minutos sem oxigênio, teve a clavícula quebrada, e os nervos dos braços estavam arrebentados. Machucaram muito a cabeça dela. Tinha arranhões nos braços e no pescoço — relatou.
A mãe da bebê teve de passar por uma cirurgia para retirada do útero e recebeu alta na última terça-feira (15).
Contraponto
O que diz a defesa das médicas
Procurada, a defesa das profissionais informou que ainda não teve acesso ao inquérito policial e que aguarda a delegacia disponibilizar os documentos. Em relação à sindicância do Cremers, a defesa não tem conhecimento e não representa as médicas neste procedimento.
O que diz a Medlife
"As médicas são aptas ao exercício profissional; o afastamento delas decorre de um pedido da administração, o qual a empresa atendeu inclusive com o escopo de contribuir com a averiguação, investigação e apuração do caso. A empresa está a disposição para contribuir com o que for necessário para o bom andamento do trabalho das autoridades. Obviamente que lamenta-se profundamente o ocorrido e a dor da família, bem como das profissionais que estão enfrentando esse momento tão difícil."
O que diz o Simers
"O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul manifesta solidariedade à família diante da dor irreparável pela perda de um recém-nascido, ocorrida no Hospital Centenário, em São Leopoldo, caso que vem sendo amplamente divulgado na imprensa. Neste momento, acreditamos que alguns esclarecimentos são necessários:
1. Do ponto de vista técnico, é fundamental esclarecer que a distocia de ombro — complicação obstétrica que ocorreu neste caso — é classificada, segundo as diretrizes da FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), como um evento imprevisível e não prevenível, mesmo quando há fatores de risco, como a diabetes gestacional e macrossomia fetal.
2. Não existem exames de imagem ou métodos clínicos capazes de prever a ocorrência do problema registrado com precisão, tampouco não há como impedir completamente sua manifestação.
3. O fato traz a tona uma discussão por vezes deixada de lado: a importância essencial do pré-natal bem-feito e de uma rede de atendimento estruturada. A gestante apresentava histórico de risco e, mesmo assim, o atendimento prestado a ela não foi completo. Em alguns casos, ela sequer foi atendida por médicos ao comparecer às consultas agendadas.
4. Outro fato que chama a atenção é a ausência de controle glicêmico adequado e a não realização completa de exames de imagem essenciais durante a gestação — condições mínimas para o acompanhamento criterioso de uma gravidez que demandava cuidados especializados desde o início.
5. A assistência materno-infantil é um processo que se inicia no pré-natal e depende de estrutura adequada, equipe multiprofissional qualificada e protocolos bem definidos, que garantam segurança à mãe e ao bebê. A ausência dessas condições expõe uma falha grave e sistêmica na rede de atenção à saúde do município de São Leopoldo, que precisa ter seu processo e estrutura de atendimento revistos.
Por fim, manifestamos repúdio à antecipação de julgamentos e condenações públicas direcionadas às médicas obstetras envolvidas, antes da conclusão das devidas apurações pelos órgãos técnicos competentes.
É importante ressaltar que cabe exclusivamente ao Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), às comissões de ética médica e, quando necessário, ao Poder Judiciário, analisar os fatos e atribuir responsabilidades. Neste caso específico, também há investigação da Polícia Civil. Qualquer declaração ou prejulgamento fora dessas esferas é imprudente, fere o princípio da presunção de inocência, e cria um ambiente de desinformação.
É dever da sociedade, das instituições e das autoridades garantir um debate honesto e responsável sobre o que de fato falhou. A medicina não aceita julgamento baseado em narrativas emocionais ou apelos políticos.
Sindicato Médico do Rio Grande do Sul - Simers."