Uma investigação da Polícia Civil do Rio Grande do Sul desarticulou um esquema envolvendo falsos advogados, que se apresentavam em nome de escritórios do Estado, e enganavam clientes à espera de ações previdenciárias. Os criminosos conseguiam tirar dinheiro das vítimas, após serem convencidas de que receberiam o pagamento. Suspeitos de integrarem o grupo por trás desse golpe são alvo de operação nesta quinta-feira (27), no Ceará.
A equipe da 3ª Delegacia de Polícia de Canoas, na Região Metropolitana, cumpre 12 mandados de prisão temporária e 24 ordens de busca e apreensão. A operação é realizada na capital, Fortaleza, e no município de Maracanaú, na Região Metropolitana do Estado cearense.
Até o início desta manhã, nove pessoas tinham sido presas na ação, que conta com apoio da Polícia Civil do Ceará, denominada Charlatan, numa alusão ao charlatanismo, prática de enganar alguém para obter vantagens aproveitando-se da boa-fé das pessoas.
Segundo a delegada Luciane Bertoletti, de Canoas, o grupo agia ao menos desde 2023, quando foram identificados os primeiros casos. Entre os alvos dos mandados, estão os chamados “conteiros”, que são aqueles que fornecem as contas bancárias para o recebimento dos valores, e aqueles que cooptavam essas pessoas.
— É um esquema bem organizado. Eles conseguem informações sobre as vítimas, dados pessoais, como telefone, os processos que elas estão aguardando. Eles cruzam esses dados e, para isso, é necessária uma organização. Além disso, há produção de documentos falsos, timbrados — detalha a delegada.
Como agiam
Os estelionatários entravam em contato pelo WhatsApp, muitas vezes usando até mesmo a foto do advogado da vítima ou se identificando como secretária do profissional. Por mensagem, informavam que havia sido determinado o pagamento da ação.
No entanto, para dar continuidade ao processo afirmavam ser necessário fazer o pagamento de uma taxa, de impostos ou mesmo emitir certidões pagas. Em média, os clientes depositaram cada um cerca de R$ 8 mil para os golpistas. Mas esses valores variavam bastante. A polícia estima que o prejuízo causado pelos criminosos seja de R$ 700 mil.
Para convencer as vítimas, em alguns casos, os estelionatários alegavam que o valor do imposto seria restituído. Num deles, o golpista enviou mensagem, dizendo que o governo estava cobrando 27,5% referente ao Imposto sobre Valor Agregado, e que, em razão disso, seriam descontados R$ 86 mil.
“Temos a outra opção, que é solicitar a isenção deste imposto, onde entramos com pedido aqui mesmo no balcão da Vara”, afirmou o estelionatário, para justificar a cobrança dos honorários. “Falei com meu filho, ele vai me emprestar o dinheiro. Acho um absurdo o governo pedir isso”, respondeu a vítima.
— Os alvos são pessoas com ações previdenciárias de diferentes tipos. Algumas de revisão de aposentadoria, ou mesmo de pedido de aposentadoria, de auxílio-doença, entre outros. Eles chegam, inclusive, a simular o atendimento do escritório de advocacia, por telefone, como um falso atendente. É um esquema semelhante ao golpe do 0800, mas, neste caso, ainda mais elaborado, com dados corretos sobre a vítima e o processo, e uso de documentos falsos — explica a delegada.
"É muito constrangedor", diz advogado
A equipe de um escritório de Santa Maria vem usando as redes sociais para tentar alertar os clientes e evitar que novos casos aconteçam. Nas postagens, orientam os clientes a denunciarem e bloquearem a conta falsa.
— Temos feito esses alertas para que os clientes não acabem depositando. Temos milhares de clientes, e alguns, infelizmente, acabam sendo vítimas — diz um dos sócios, o advogado Luciano de Medeiros, do MMT Advogados Associados.
Outra estratégia usada pela equipe é a de reforçar os números oficiais do escritório, e alertar que nenhum pedido de pagamento é realizado por meio de mensagens de WhatsApp.
É muito constrangedor para nós. Muitos clientes confiam porque possuem essa relação de confiança com o advogado.
LUCIANO DE MEDEIROS
Advogado
— Hoje estamos trabalhando também no desenvolvimento de um aplicativo para o escritório, para dar mais segurança ao cliente. É bem importante o trabalho da polícia, de fazer essa investigação e para conscientizar a população de que existe esse tipo de golpe — afirma.
Vítima pensou que ia se aposentar
Num dos casos que chegou à polícia, a cliente aguardava pela aposentadoria. Durante a troca de mensagens, com o golpista, pensando que se tratava do advogado, ela questionou se já havia se aposentado. O estelionatário confirmou e apontou, inclusive, uma data para que ela deixasse de frequentar o trabalho.
— A gente sempre lidou com estelionato como um crime de médio potencial ofensivo. Hoje o que a gente vê é que realmente está mexendo substancialmente com a vida das pessoas. As pessoas estão perdendo cada vez mais dinheiro e estão mexendo em questões muito sensíveis. Esse é um caso diz — a delegada.
As pessoas esperam por anos pela aposentadoria ou por receber um valor de um benefício. Isso mexe com a vida das pessoas, é muito grave
LUCIANE BERTOLETTI
Delegada de Polícia
A polícia identificou ao menos 30 vítimas desse golpe, no entanto, acredita que exista um número bem maior de pessoas lesadas. Em relação à operação desta quinta-feira, há seis inquéritos em andamento, de vítimas da Região Metropolitana, envolvendo dois escritórios de advocacia, um de Porto Alegre e outro de Santa Maria, na Região Central.
— Esses escritórios daqui do RS também são vítimas, porque causa um desgaste. São os nomes desses profissionais que estão sendo usados por esses criminosos. É um grupo que se especializou nisso e faz vítimas em todos os lugares — afirma a delegada.
Outras operações em Maracanaú
Esta não é a primeira vez que a Polícia Civil gaúcha realiza operação em Maracanaú contra suspeitos desse mesmo tipo de golpe. Em novembro do ano passado, um homem, de 30 anos, e uma mulher, de 22, foram presos suspeitos de aplicar golpes em idosos de Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul.
Os dois eram suspeitos de se passarem por advogados e obter dinheiro das vítimas, que, nestes casos, eram idosas. Ao menos, sete vítimas procuraram a Polícia Civil, que identificou 13 suspeitos que residiam no Ceará. Os idosos tiveram um prejuízo de cerca de R$ 25 mil.
Também em novembro do ano passado, a polícia do Amazonas, com a do Ceará, desencadeou uma operação contra esse tipo de golpe. Foram cumpridos 20 mandados de prisão preventiva em Fortaleza, Maracanaú e Pacatuba. Os investigados se passavam por advogados do Amazonas, entravam em contato com as vítimas, que tinham processos em andamento, e pediam dinheiro para fazer a liberação do alvará.
— Maracanaú é uma cidade que se tornou uma espécie de berço do golpe do falso alvará ou falso advogado. Existem grupos ali que se especializaram nesse tipo de crime — diz a delegada Luciane.
A ação desta quinta-feira contou com o suporte da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência do Ministério da Justiça.
Debate nacional
No último sábado (22), a diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e os presidentes das 27 seccionais discutiram medidas para coibir o avanço desse tipo de fraude. Uma das propostas apresentadas é a de federalizar as investigações e campanhas de combate ao golpe.
Foi sugerida ainda a criação de um grupo de trabalho nacional para aprofundar o debate e propor medidas de enfrentamento ao golpe. Em carta, a OAB destacou a importância de alertar a população brasileira sobre os riscos gerados por criminosos que utilizam indevidamente o nome da advocacia para praticar delitos.