Uma facção criminosa do Vale do Sinos vem usando impressoras 3D para fabricar armamentos e acessórios para armas. Um cenário novo no crime organizado, que causa preocupação entre autoridades policiais.
Na semana passada, uma equipe da 1ª Delegacia de Polícia de Novo Hamburgo apreendeu quatro equipamentos desse tipo num apartamento em São Leopoldo. No mesmo local, foram encontrados 59 carregadores de diferentes calibres, praticamente idênticos aos originais, produzidos dessa forma.
Os policiais já suspeitavam de que a facção com berço no Vale do Sinos — que domina a venda de entorpecentes na região e tem atuação em praticamente todo o Estado — vinha fazendo uso da tecnologia para essa finaliadde.
Dois kit roni — usados para ampliar o poder de fogo de pistolas — em material plástico tinham sido apreendidos em janeiro pela polícia de Novo Hamburgo. A semelhança é tanta que, inicialmente, os policiais não suspeitaram de que se tratasse de uma peça produzida por impressora 3D.
Os kit roni tinham sido fabricados da mesma forma que os carregadores que viriam a ser apreendidos em São Leopoldo. O material usado é o filamento plástico, que é moldado pela impressora no formato desejado, a partir de um software.
Ainda que sejam fabricadas com plástico, os armamentos funcionam e podem ser usados mais de uma vez. A polícia acredita que o baixo custo é um dos pontos que atrai o crime organizado, ainda que o equipamento não seja testado e possa oferecer risco a quem opera.
Fábrica clandestina
A suspeita dos investigadores sobre o uso das impressoras se confirmou na quinta-feira (6) durante buscas realizadas em um apartamento. O imóvel está localizado num residencial no bairro São Miguel, em São Leopoldo, em área conflagrada pelo tráfico de drogas. Foi ali que os policiais depararam com uma fábrica clandestina de armamentos, abastecida por impressoras capazes de replicar objetos a partir de um modelo digital.
O apartamento estava praticamente vazio, o que indica que não era usado para moradia. As impressoras estavam num dos cômodos sobre estantes, prontas para uso, com os filamentos (rolos com material plástico) conectados. Havia ainda uma unidade de processamento (CPU), que também pode ter sido utilizada para a confecção das armas.
No mesmo local, estavam armazenados os carregadores que já tinham sido produzidos. Foram apreendidos 59 carregadores de pistola, incluindo os calibres .9mm, .40 e .10mm, além de outros materiais que seriam usados na fabricação de novos armamentos clandestinos.
A polícia localizou, por exemplo, as molas metálicas que seriam inseridas nos carregadores, que não estavam municiados. Não havia ninguém no imóvel no momento em que os policiais chegaram ao local.
A origem desse equipamento é para outros objetos, não é para essa finalidade, mas estão utilizando esses mesmos aparelhos para fabricação de armas e acessórios para as armas. Isso tudo preocupa a segurança pública porque é mais uma forma de ingresso no mercado de instrumentos para o crime.
TARCÍSIO LOBATO KALTBACH
Delegado da 1ª DP de Novo Hamburgo
“Armas fantasmas”
A apreensão, com esse volume de armamentos produzidos com impressoras, é considerada inédita na região pelos policiais civis. Um dos pontos que preocupa a polícia é a possibilidade de que esse tipo de tecnologia passe a ser usada de forma cada vez mais frequente pelo crime organizado para a produção de peças de armamentos em larga escala.
— Quem manuseia tem que ter conhecimento técnico do software e também para operar a própria máquina. Ainda estamos buscando compreender a potencialidade lesiva desse material, o nível de segurança da utilização desse equipamento, o custo disso. Fica evidente que é uma forma de baratear o custo do armamento. É algo bastante novo. Precisamos ver se é algo que realmente vai interessar ao mercado do crime — diz o delegado.
Embora nesta apreensão tenham sido localizados somente carregadores, outro ponto que levanta alerta entre os policiais é que esse tipo de equipamento pode ser usado para fabricar praticamente toda a arma — peças como o cano e molas, por exemplo, seguem produzidas com metal.
São as chamadas “armas fantasmas”, já que não possuem número de série ou qualquer tipo de registro. As peças de plástico também dificultariam a descoberta por meio dos detectores de metal.
Em setembro do ano passado, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu em Santa Catarina uma submetralhadora de fabricação artesanal com um adolescente. A arma fabricada com uma impressora 3D estava na mochila dele. O destino era o sul do Rio Grande do Sul.
Não se descarta que a facção criminosa já tenha feito usado dos equipamentos para produzir armas inteiras. A Polícia Civil de Novo Hamburgo vai verificar agora se na CPU apreendida existem projetos armazenados que indiquem a produção de armamentos para além dos carregadores.
A polícia também investiga qual era a produtividade dos equipamentos, o destino dos armamentos e quem foram os responsáveis pela fabricação.
Outras apreensões
São Leopoldo
No fim de janeiro, três homens foram presos em Portão pela Delegacia de Polícia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) São Leopoldo. A ofensiva investigava um grupo responsável pela produção de armas ilegais e venda ao crime organizado no Vale do Sinos.
Além de confeccionarem armas, eles revendiam para outros criminosos. Num dos locais, a polícia encontrou carregadores de pistola e outras peças para carabinas, produzidas por meio de equipamentos de impressão 3D.
Gravataí

Em maio de 2022, a Polícia Civil descobriu numa residência em Gravataí, no bairro Vera Cruz, uma fábrica clandestina de peças para arma de fogo.
Um homem de 27 anos foi preso em flagrante, enquanto preparava mais um produto para venda. No local, a principal produção era de acessórios como os chamados “kit roni”.
Em um tipo de estúdio na casa, cinco impressoras 3D, avaliadas em cerca de R$ 15 mil, funcionavam praticamente 24 horas por dia na produção das peças. Conforme a polícia, todo o desenho e o projeto das armas eram feitos pelo próprio suspeito em um computador. As peças seriam comercializadas pela internet.
Santa Catarina

Policiais rodoviários federais apreenderam uma submetralhadora de fabricação artesanal em setembro do ano passado. O objeto estava em posse de um adolescente na BR-101, em Tubarão, Santa Catarina.
A arma, produzida com uma impressora 3D de alta resolução, foi encontrada na mochila do passageiro de um veículo utilizado para viagens por aplicativo.
O adolescente de 17 anos relatou que havia sido enviado para buscar a submetralhadora em Florianópolis e entregá-la em Rio Grande, no sul do RS.