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Linchado por moradores de Tramandaí na última quarta-feira (26), o homem que sequestrou uma menina de nove anos passou um ano e cinco meses preso em Porto Alegre entre 2020 e 2021 após agredir e tentar sequestrar uma adolescente de 17 anos. Marco Antônio Bocker Jacob, 61 anos, foi condenado pelo crime em 2022, mas não retornou à prisão e cumpriu o restante da pena em regime aberto.
As peças do processo obtidas por Zero Hora detalham como Jacob invadiu a residência da família da adolescente e a agrediu, no intuito de sequestrá-la. A jovem foi salva porque uma vizinha ouviu os gritos e chamou a polícia.
Jacob foi condenado por sequestro, lesão corporal e violação de domicílio, mas ficou na cadeia apenas no período de prisão preventiva, quando aguardava julgamento. Após a sentença, esse período em que passou encarcerado foi descontado, e ele cumpriu o restante da pena em regime aberto.
Menos de um mês após a extinção da pena por cumprimento, na terça-feira (25), ele atraiu uma criança para o estabelecimento comercial que administrava em Tramandaí. No dia seguinte, quando a menina foi encontrada, Jacob acabou morto por populares revoltados com o episódio.
"Ainda tem sequelas", diz pai da adolescente vítima de crime na Capital
O caso pelo qual Marco Antônio Jacob foi condenado em Porto Alegre aconteceu na manhã do dia 25 de maio de 2020, em um dos momentos mais severos da pandemia de Covid-19. De acordo com a denúncia anexada ao processo, o homem invadiu a casa de uma família no bairro Rubem Berta, na Zona Norte, com um carrinho de mão e um cobertor.
No ano anterior, ele havia trabalhado como pedreiro na moradia e, segundo a investigação, se aproveitou para tirar cópia das chaves do imóvel sem o conhecimento da família.
Jacob voltou ao local quando apenas a adolescente de 17 anos estava em casa. Ele foi até o quarto da garota, a agrediu com tapas no rosto e ordenou seu silêncio, sob ameaça de esfaqueá-la. Na sequência, amarrou as mãos e as pernas da jovem e colou fita adesiva em sua boca.
O homem levou a garota para a porta dos fundos, a colocou no carrinho de mão e a cobriu com o cobertor. A jovem tentou se desvencilhar e foi agredida com socos na cabeça. Jacob ainda apertou o pescoço da adolescente, que ficou inconsciente.
O criminoso já estava na rua quando a jovem conseguiu remover a fita da boca e gritar por socorro. Ele tentou agredi-la novamente, mas ela se debateu e o carrinho virou.
Uma vizinha ouviu os apelos e flagrou as agressões. Com a ajuda do marido, da sogra e da cunhada, a mulher socorreu a jovem, enquanto populares impediram a fuga de Jacob, que seria preso em seguida, quando a Brigada Militar chegou ao local.
Laudo da perícia feita na adolescente identificou lesões no olho, nos lábios e na mucosa, hemorragia e uma pancada na região da cervical.
Sofrimento familiar
O ataque produz consequências até hoje na vida da jovem, cuja identidade é preservada pela reportagem. Além de se recuperar das agressões físicas, ela ainda trata problemas relacionados a um descolamento de retina e recebe acompanhamento psicológico.
De acordo com o pai da vítima, a família se mudou para Alvorada, onde morou de aluguel por cerca de três anos, para levar uma vida mais tranquila.
— Ela toma uma medicação para poder levar uma vida relativamente dentro da normalidade. Está trabalhando, tudo, mas mesmo assim ainda tem sequelas desse acontecimento — relata o homem, de 55 anos.
O pai conta que a família ficou sabendo do caso de Tramandaí por meio de um amigo da família e identificou o suspeito pelo nome.
— Sendo bem honesto, a gente se sentiu aliviado (com a morte do agressor). Principalmente ela, que sempre achou que ele voltaria para terminar o que começou. Claro, a gente fica, pela família, meio chateado, mas, de certa forma, tranquilos, porque ele já não vai mais poder fazer mal a ninguém — afirma.
Sem restrições
Mesmo condenado pela tentativa de sequestrar uma adolescente, Jacob não tinha qualquer medida restritiva de liberdade em vigor quando raptou a menina em Tramandaí. Ele cumpriu pena pelo caso até o final do ano, e a penalidade foi extinta por cumprimento no dia 30 de janeiro.
Professor da PUCRS e especialista em direito processual penal, Aury Lopes Júnior diz que, neste caso, a penalidade se restringe ao que for estipulado pela Justiça.
— Para quem está sendo processado, pode ter uma medida cautelar de proibição de aproximação ou de não exercício de determinada atividade. Agora, uma vez condenado, ele é condenado a uma pena privativa de liberdade, cumpre a pena e, depois disso, ele não tem mais nenhuma restrição. Não existe uma prisão ou uma sanção permanente ou perpétua — explica.
Cronologia do processo
- Após a agressão à jovem, Marco Antônio Bocker Jacob ficou preso preventivamente entre 25 de maio de 2020 e 23 de outubro de 2021 (um ano, quatro meses e 29 dias)
- Condenado pelos crimes de sequestro, lesão corporal e invasão de domicílio, foi sentenciado a um ano e um mês de detenção e dois anos e três meses de reclusão; o período da prisão preventiva foi descontado, e o restante das penas foi cumprido em regime aberto
- O cumprimento da pena começou em 30 de janeiro de 2023. Em 27 de março, o 2º juizado da 2ª Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre concedeu prisão domiciliar ao homem
- Para obter o benefício, ele teve de se submeter a medidas restritivas, como permanecer em casa entre 20h e 6h, não se envolver em novos delitos, não sair da cidade sem autorização judicial e comparecer ao juízo sempre que solicitado
- Em maio de 2023, Jacob se mudou para Tramandaí, e o processo foi transferido para a VEC sediada no município
- A pena privativa de liberdade terminou em 30 de dezembro de 2024. Após análise do Ministério Público, foi declarada extinta pela Justiça em 30 de janeiro de 2025
- A possibilidade de recurso quanto à extinção da pena se encerrou em 11 de fevereiro para o MP e em 18 de fevereiro para a defesa de Jacob. Os autos aguardam processo de baixa e arquivamento