Em julho de 2020, uma mulher de 84 anos morreu em Pelotas, no sul do Estado, e deixou uma herança de R$ 9 milhões, em imóveis e valores em dinheiro. Mas ela não tinha, até então, nenhum familiar próximo. A Polícia Civil acredita ter descoberto, recentemente, um esquema envolvendo um falso herdeiro, que se apresentou como irmão da idosa e residia no Nordeste.
O caso chegou até a Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Informáticos e Defraudações (DRCID) no início deste mês, quando sobrinhos dela registraram uma ocorrência. Nesta quarta-feira (5), com apoio da Polícia Civil do Rio Grande do Norte, foram cumpridos mandados de prisão contra dois investigados durante a Operação Falsus Heres III.
A suspeita é de que eles tenham usado documentos com informações falsas para conseguir ter acesso aos bens da idosa falecida. O suspeito de ser o mentor do golpe foi preso em Natal, e o investigado apontado como o falso herdeiro está foragido.
— Um dos investigados (o preso) já havia sido preso e indiciado no Rio Grande do Norte pela mesma fraude. Ele tinha conhecimento avançado quanto a essa modalidade de estelionato — explica o delegado João Vitor Herédia, que investiga o caso.
Também foram cumpridos mandados de busca, ordens judiciais de bloqueios de contas e sequestros de imóveis.
Segundo a apuração, a idosa, que deixou a herança, não tinha vínculo com o Rio Grande do Norte. Ainda assim, após a morte dela, um homem, atualmente com 55 anos, apresentou-se na Justiça como irmão por parte de pai. Isso levantou a desconfiança de sobrinhos da mulher, que seriam os verdadeiros herdeiros e desconheciam a existência desse familiar. Eles descobriram a situação ao dar início à documentação do inventário. Foi aí que souberam que este suposto irmão da idosa, a 4,3 mil quilômetros de Pelotas, havia se habilitado como herdeiro num processo judicial.
Conforme a polícia, o homem obteve autorização judicial para usufruir dos bens, com uso de documentos que continham informações falsas, como o nome do pai da idosa sendo também seu pai. Ele chegou a transferir duas casas que integravam a herança, num valor estimado em R$ 1 milhão, para seu nome. Esses imóveis agora foram sequestrados e os valores bloqueados.
Informações falsas
Este investigado é natural da Paraíba, mas teria emitido um novo documento de identificação do Rio Grande do Norte, inclusive com nome diferente e as informações falsas da filiação. Segundo a polícia, em 2021, o homem conseguiu registrar uma certidão de nascimento num cartório no interior do Rio Grande do Norte, alegando que a via original havia sido deteriorada. A forma como se deu esse registro ainda é averiguada. Há suspeita de que possa ter havido participação de alguém vinculado ao cartório para a fraude.
— Ele fraudou uma certidão de nascimento, e colocou o mesmo pai da falecida. Como ela, em tese, não tinha familiares mais próximos, outros irmãos, ele seria o único herdeiro — detalha o delegado.
Depois disso, emitiu com essa certidão de nascimento uma carteira de identidade em um nome que seria falso.
— Ele conseguiu "esquentar" a informação da filiação, e com essa certidão, materialmente verdadeira, mas com dados falsos, pediu a identidade. Se olha o papel, a certidão e a identidade são verdadeiras. O que é falso é a informação que consta ali — diz o delegado Herédia.
Além dele, a polícia identificou outro homem de 44 anos, de Natal, que já havia sido indiciado pelo mesmo tipo de crime, por supostamente fraudar documentações junto a cartórios para recebimento de herança. Esse investigado foi preso e preferiu se manter em silêncio sobre o caso.
Viagem ao RS
A polícia descobriu ainda que, no fim do ano passado, o homem que seria o falso herdeiro e o outro, apontado como mentor do golpe, viajaram ao Rio Grande do Sul para resolver trâmites do recebimento da herança. Os dois teriam embarcado no mesmo voo e seguido juntos até Pelotas, no sul do Estado.
— Esse alvo, que seria o responsável por planejar o golpe, não se apresenta como herdeiro. Mas ele vai até o cartório junto, vai ao banco, tudo junto do falso herdeiro. É o autor intelectual, que tinha todo um conhecimento da fraude, só mudou de Estado — afirma o delegado Eibert Moreira Neto, responsável pelo combate aos crimes cibernéticos no RS.
Um dos pontos que ainda precisa ser esclarecido pela polícia é como os investigados tiveram acesso ao caso da idosa. A suspeita é de que possa ter havido algum vazamento de informações.
— Não tinham vínculo com a família de Pelotas. Essa foi a primeira vez que agiram aqui no Estado — afirma o delegado.
Identidade descoberta
Para chegar à verdadeira identidade do investigado, a Polícia Civil do RS contou com o apoio da Polícia Federal. Foram comparados os dados faciais e papiloscópicos (impressões digitais) do suspeito. Assim, foi possível chegar a um outro documento de identidade, expedido na Paraíba, com um outro nome.
— Ele tinha dois documentos, com nomes diferentes. Já tinha um na Paraíba e fez um novo no Rio Grande do Norte — explica o delegado Herédia.
Os dois são investigados pelos crimes de estelionato, falsidade ideológica e associação criminosa. A polícia investiga agora se houve participação de outras pessoas ou colaboração com o golpe.