Um dos pontos que ainda deve ser esclarecido pela investigação da Polícia Civil sobre o caso do bolo envenenado que levou à morte três pessoas da mesma família, em Torres, é se o marido de Zeli Teresinha Silva dos Anjos, 61 anos, também foi vítima de envenenamento. A apuração realizada até agora indica que a família foi envenenada com uso de arsênio. A polícia suspeita de que o mesmo tenha acontecido com o idoso, que morreu em setembro. A nora de Zeli, Deise Moura dos Anjos, foi presa no domingo (5), suspeita de ser a autora do crime.
Os detalhes foram repassados em coletiva à imprensa na manhã desta segunda-feira (6).
— Com a exumação do corpo a gente pretende obter outras respostas. Verificar se há de fato conexão entre as três mortes no dia 24, com a morte ocorrida em três meses antes. Há indícios, como eu disse, coincidências (não existem), que nos levam a crer que provavelmente tenha ocorrido também envenenamento. Isso será apurado — disse a delegada regional do Litoral Norte, Sabrina Deffente.
A suspeita da polícia é de que a mulher tenha envenenado a farinha que foi usada no bolo. A perícia apontou presença de arsênio na farinha apreendida na casa de Zeli, em Arroio do Sal, no Litoral Norte. A idosa foi responsável por preparar o bolo, que resultou no envenenamento da família. A polícia afirmou que ainda investiga se objetivo da nora era matar somente a sogra ou os demais familiares — as duas hipóteses são investigadas no momento. A motivação não foi detalhada na coletiva, mas o delegado Marcos Veloso afirmou que havia algumas divergências envolvendo a nora.
Em setembro deste ano, Paulo, marido de Zeli, morreu também com sintomas de intoxicação alimentar, segundo a polícia. A família envenenada em dezembro apresentou sintomas como diarreia e vômito, após ingerir o bolo. A perícia confirmou altíssima concentração de arsênio na sobremesa ingerida pelos familiares.
Segundo a delegada Sabrina, desde o início da investigação o fato de o marido de Zeli ter morrido supostamente por intoxicação alimentar já havia levantado suspeita.
— Um dos pontos que desde o início nos preocupou foi o fato de ter ocorrido três meses antes a morte do marido da pessoa que fez o bolo. Foi sinal de alerta — afirmou.
A polícia não detalhou ainda em que momento se deu o envenenamento da farinha, mas garantiu ter provas de que a autora foi a suspeita presa de forma temporária no fim de semana. Segundo a investigação, a nora e o marido, filho de Zeli, não estavam presentes na confraternização familiar, no apartamento em Torres. A apuração ainda deve apontar como o arsênio foi adquirido.
Segundo o último boletim médico do Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, Zeli apresentou melhora e deixou a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ela segue em observação na clínica médica, em estado estável. A idosa é a última pessoa hospitalizada. Um menino de 10 anos, filho de uma das mulheres que morreu, recebeu alta hospitalar no início da noite de sexta-feira (3).
Exumação
A diretora do Instituto-Geral de Perícias (IGP) Marguet Inês Hoffmann Mittmann afirmou que a perícia pretende realizar a exumação do corpo ainda nesta semana:
— É importante dizer que, apesar do tempo transcorrido, é possível que a perícia encontre substâncias metais como o arsênio. Mesmo um tempo após a morte.
Ainda conforme a diretora, a altíssima concentração de arsênio encontrada no bolo fez a perícia descartar qualquer possibilidade de que pudesse ter ocorrido uma contaminação por meio da degradação de alimentos usados no preparo, como as frutas cristalizadas, por exemplo.
Em nota, os advogados Manuela Almeida, Vinícius Boniatti e Gabriela Souza, que representam Deise, afirmaram que não tiveram acesso integral à investigação em andamento e que se manifestarão em momento oportuno. A mulher ainda deverá ser interrogada, segundo a Polícia Civil.
O caso
Seis pessoas da mesma família passaram mal e precisaram procurar atendimento médico no último dia 23, após consumir um bolo, que continha arsênio, conforme análise da perícia do Instituto-Geral de Perícias (IGP).
Três delas morreram: duas irmãs de Zeli, Neuza Denize Silva dos Anjos, 65 anos, e Maida Berenice Flores da Silva, 59, além de Tatiana Denize Silva dos Anjos, 47 anos, filha de Neuza.
Zeli, responsável por fazer o bolo, permanece hospitalizada, em estado estável, de acordo com o boletim médico. Um menino de 10 anos, neto de Neuza e filho de Tatiana, também ficou hospitalizado, mas já está em casa. Uma sexta vítima, um homem da família, foi liberado após atendimento médico.
O que é arsênio
Arsênio é um metal natural que está presente no solo e, inclusive, traços dele são encontrados em alimentos e cosméticos. Contudo, dependendo da concentração, pode ser letal. O elemento químico foi detectado em exames de sangue de integrantes da família que comeu um bolo em Torres — três pessoas morreram.
O metal pode ser encontrado em diferentes composições químicas. Entre as mais populares no Brasil, está o arsênico, veneno para ratos e insetos que tem sua venda proibida no país desde 2005. As principais formas de se obter produtos com alta concentração de arsênio no Brasil são por comercialização clandestina ou em possíveis sobras ainda existentes, que são de antes da proibição, aponta o toxicologista Bruno dos Santos:
— O arsênico era conhecido como o rei dos venenos, porque mimetiza muitas vezes uma doença gastrointestinal, uma intoxicação alimentar. Então, a pessoa tinha muita diarreia, vômito, e acabava parecendo que era uma disenteria, uma cólera.
Segundo o especialista, doutorando em análise toxicológica pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), esse resultado é obtido com pequenas doses do elemento químico.
O composto trióxido de arsênio, conhecido como arsênico, não tem gosto, mas algumas literaturas apontam que o metal pode ter um gosto adocicado. O especialista acrescenta que, por ser um produto clandestino no Brasil, o arsênio pode estar misturado com outras substâncias e que podem alterar o sabor.