Em um intervalo de apenas 18 dias, a Polícia Civil e o Instituto-Geral de Perícias (IGP) desvendaram uma trama digna de cinema. Divergências familiares teriam levado ao envenenamento de ao menos seis pessoas que comeram um bolo em Torres, no Litoral Norte. Três pessoas morreram. A suspeita do crime é Deise Moura dos Anjos, 42 anos, nora da mulher que preparou o doce.
O caso, contudo, pode ter começado bem antes. Em setembro de 2024, o sogro de Deise morreu após ter comido bananas e um café com leite em pó, produtos entregues pela nora em uma visita. A perícia, realizada nesta semana, depois das mortes relacionadas ao bolo, confirmou: o homem também foi envenenado.
Ao longo da apuração do caso, a polícia reuniu elementos que reforçaram as suspeitas sobre Deise. Da desconfiança de outros familiares sobre a conduta da nora às pesquisas localizadas no celular da investigada, os indícios dão à Polícia Civil a certeza de que a nora foi a autora do crime:
— Provavelmente, não sairá da cadeia nesta vida — disse o subchefe de Polícia, delegado Heraldo Chaves Guerreiro.
Nesta reportagem, Zero Hora mostra uma linha do tempo do caso e da investigação, com detalhes de como a Polícia Civil encurralou Deise.
Relembre o caso
Na manhã de 23 de dezembro, Zeli Teresinha Silva dos Anjos, 61 anos, fez um bolo para um café de fim de tarde com a família. A mulher, moradora de Arroio do Sal, levou o doce até o apartamento de uma das irmãs em Torres, em uma confraternização de fim de ano.
Seis pessoas comeram o bolo e passaram mal logo em seguida. Duas irmãs de Zeli, além de uma sobrinha, morreram:
- Neuza Denize Silva dos Anjos, 65 anos, irmã de Zeli
- Maida Berenice Flores da Silva, 59, irmã de Zeli
- Tatiana Denize Silva dos Anjos, 47 anos, filha de Neuza e sobrinha de Zeli
Outras três pessoas foram hospitalizadas, mas já receberam alta:
- Jefferson, marido de Maida, liberado após atendimento
- Um menino de 10 anos, filho de Tatiana e neto de Neuza, liberado em 3 de janeiro
- Zeli, sogra da suspeita, liberada em 10 de janeiro
Publicamente, a Polícia Civil trabalhava com a hipótese de que o envenenamento poderia ter sido involuntário. No entanto, desde o início da apuração, o delegado Marcus Vinicius Veloso já desconfiava da ação de Deise. Um dia após o episódio, a investigação começou a tomar depoimentos de familiares e amigos das vítimas, e testemunhas apontavam para os problemas de relacionamento entre Zeli e a nora. Segundo um relato, a suspeita já teria prometido matar o sogro e dito que a sogra veria toda a família em um caixão.
Ouvida pela polícia, Deise confirmou os problemas de relacionamento com os sogros e até supostas brigas com o marido, motivadas pela tensão com os familiares dele. A suspeita, contudo, não confessou o crime.
No entanto, apenas os depoimentos não bastavam para a investigação pedir a prisão da suspeita. A hipótese de envenenamento ganhou corpo após exames identificarem a presença de arsênio no sangue de Zeli e do filho de Tatiana, então hospitalizados, e de Neuza, que havia morrido. Também foram periciadas amostras do bolo e da farinha utilizada no preparo. Em ambas, foram identificadas quantidades altamente elevadas do elemento químico.
Segundo a Polícia Civil, Deise pesquisou na internet uma receita de veneno que fosse inodora e insípida e fez quatro compras de arsênico num período de cinco meses.
Deise está presa no Presídio Estadual Feminino de Torres por suspeita de triplo homicídio duplamente qualificado (motivo fútil e com emprego de veneno) e tripla tentativa de homicídio duplamente qualificada. Nesta sexta-feira (10), a Polícia Civil e o IGP apresentaram detalhes do caso em uma entrevista coletiva.
A defesa de Deise afirma que "as declarações divulgadas na coletiva de imprensa ainda não foram judicializadas no procedimento sobre o caso", portanto "aguarda a integralidade dos documentos e provas para análise e manifestação".
Nota da defesa na íntegra:
"O escritório Cassyus Pontes Advocacia representa a defesa de Deise Moura dos Anjos no inquérito em andamento sobre o fato do Bolo, na Comarca de Torres, tendo sido decretada no domingo a prisão temporária da investigada.
Todavia, até o momento, mesmo com o pedido da Defesa deferido pelo judiciário, ainda não houve o acesso ao inquérito judicial.
A família, desde o início, colabora da investigação, inclusive com o depoimento de Deise em delegacia, anterior ao decreto prisional.
Cumpre salientar que as prisões temporárias possuem caráter investigativo, de coleta de provas, logo ainda restam diversos questionamentos e respostas em aberto neste caso, os quais não foram definidos ou esclarecidos no inquérito."