Um homem que foi por pouco mais de dois anos empregado na Comunidade Osho Rachana, na zona rural de Viamão, relata rotina de sobrecarga de trabalho, ofensas, constrangimentos e exposição indesejada a cenas de nudez. Sob anonimato, ele confirma as supostas extravagâncias de Adir Aliatti, 69 anos, na aquisição de bens e em viagens com o dinheiro que seria da comunidade.
Aliatti era o líder espiritual da Osho Rachana, um grupo de vida alternativa e terapias bioenergéticas que vivia em um sítio de 42 hectares no município da Região Metropolitana. O guru está sob investigação da 1ª Delegacia de Polícia de Viamão por tortura psicológica, estelionato, curandeirismo e crimes financeiros. Dois filhos dele também constam no inquérito como suspeitos de participação nos possíveis delitos.
O ex-empregado ouvido por Zero Hora trabalhou durante um trimestre de maneira informal, como diarista, e por dois anos com carteira assinada. O salário bruto era de pouco menos de R$ 2 mil. No registro profissional, o CPF do contratante era o da filha de Aliatti, que também é investigada. Na carteira, ele era "trabalhador agropecuário em geral".
O horário de atividades era das 7h às 17h, de segunda a sexta-feira. No cotidiano, tratava da alimentação, limpeza de recintos e outros cuidados com a criação de bovinos e suínos. Na parte da agricultura, operava trator no preparo da terra antes do cultivo. Também plantava e fazia a colheita de hortifrutigranjeiros como cebola, hortaliças variadas, banana, laranja e bergamota. Eventualmente, ajudava na produção de leite e queijo.
A comunidade teve cerca de cem moradores. Parte deles tinha emprego fora de lá, mas o conceito central era construir no sítio uma irmandade de estilo de vida diferente do tradicional. Os habitantes pagavam aluguel para viver no local, onde acessavam as terapias bioenergéticas, além de moradia, espaços de lazer e alimentação completa.
A Osho Rachana tinha certo caráter de subsistência com as plantações e a criação de animais, atividades que se estendiam para propriedades rurais próximas compradas por Aliatti. Era nesse contexto de trabalho rural que entrava o serviço do entrevistado pela reportagem. O ex-empregado diz que a comunidade chegou a ter cerca de 25 empregados com carteira assinada. Ele reforça os depoimentos de antigos moradores, que descrevem Aliatti como agressivo.
— Era muito rude. Todo dia ele falava para mim: "Tu não fazes nada direito". Sempre pressionando. Quase diariamente eram muitos gritos e palavrões — relata o ex-empregado.
No cotidiano, era o líder espiritual quem distribuía as tarefas pela manhã aos empregados. O homem relata que, com frequência, Aliatti se apresentava nu diante dos trabalhadores para delegar as atividades. Também seria comum, diante da equipe, fazer comentários preconceituosos, como chamar as pessoas de "gay", "veado" ou afirmar que chamaria uma moradora para "dar" a um empregado.
— Ficávamos acuados. Um constrangimento. Mulheres que trabalhavam lá também presenciaram isso. Urinava na frente de empregados e empregadas. Uma loucura — diz o homem.
Ele ainda tinha a manutenção do sítio nas atribuições. Uma das principais tarefas era o corte da grama nas áreas de circulação e nos dois campos de futebol.
— Era muita grama para cortar. Eu estava sempre sobrecarregado — recorda.
O ex-empregado era levado para fazer serviços na zona urbana e no Interior. Em Porto Alegre, afirma ter feito reformas nos imóveis do Namastê e do Pão na Porta, ambos no bairro Cidade Baixa.
O Namastê era um centro de terapias bioenergéticas, espécie de estágio antes de uma pessoa ser aceita como moradora da Osho Rachana. Já o Pão na Porta, referência a um dos projetos de geração de receita da comunidade, era uma padaria.
No interior do Estado, afirma, eram levados a cidades como Teutônia para desmontar casas de madeira, em estilo colonial, e silos que eram comprados por Aliatti. O material era transportado até o sítio em Viamão e depositado em galpões.
Embora relate uma rotina de violência psicológica, o homem afirma que, nos mais de dois anos em que esteve prestando serviço na comunidade, jamais presenciou um trabalhador ser agredido fisicamente. Isso difere do que se diz sobre o tratamento dispensado a moradores: alguns deles teriam sido agredidos pelo guru com tapas ou golpes de cinta durante sessões bioenergéticas e cursos imersivos. Também há depoimento de uma mulher que foi arrastada pelos cabelos.
Apropriação de valores
Uma das principais suspeitas contra Aliatti se refere aos supostos crimes financeiros. Ele teria se apropriado de dinheiro da comunidade para adquirir propriedades, fazer viagens e apostas virtuais. Ele teria perdido cerca de R$ 300 mil em bets somente em 2024, estima a Polícia Civil.
Além dos aluguéis dos moradores, a Osho Rachana faturava com a realização de cursos imersivos, parte deles voltado à libertação sexual e ao distanciamento da família. As vendas nas ruas de várias cidades, inclusive de fora do Estado, de pães, agendas e cadernos eram fontes adicionais de receita.
A contração de empréstimos, em que moradores teriam assinado como tomadores e fiadores, era outra modalidade de obtenção de recursos. A Polícia Civil estima que Aliatti tenha desviado R$ 20 milhões da comunidade e, ainda assim, teria ficado com um déficit operacional de R$ 4 milhões.
— Uma vez ele me falou que iria viajar para o Uruguai. Jogar em cassino. Estava sempre viajando — diz o ex-empregado.
Nos períodos de ausência, Aliatti deixava as tarefas listadas para os trabalhadores, que ficavam sob a supervisão de capatazes da confiança do guru. O funcionário que falou com a reportagem ainda relata outro suposto hábito do líder no uso do dinheiro.
— Frequentemente víamos parados lá carros antigos e reformados, de colecionador. Ficava um tempo ali e, depois, sumia — recorda.
Ele relata ter sido desligado do trabalho por decisão de Aliatti. Afirma que o ex-patrão pagou a rescisão “do jeito dele”. O registro de saída não foi feito na carteira profissional. O homem ingressou na Justiça do Trabalho requerendo indenização.
Restrições aos investigados
Aliatti e os dois filhos investigados sofreram uma série de medidas restritivas impostas pela 3ª Vara Criminal de Viamão. Eles estão usando tornozeleira eletrônica, tiveram de entregar os passaportes e estão proibidos de fazer contato, seja pessoal ou virtual, com as supostas vítimas.
Aliatti e sua comunidade eram seguidores de um controverso guru do sexo indiano conhecido como Osho, entre outras designações. Uma das pregações é de que o sexo seria o caminho da libertação da vida e da felicidade. Os membros da Osho Rachana eram rebatizados em sânscrito, antiga língua originária da Índia e do Nepal. Por conta do ritual de ressignificação, Aliatti é conhecido como Prem Milan.
Contraponto
A reportagem de Zero Hora tentou contato com a defesa de Adir Aliatti para comentário sobre o depoimento do ex-empregado, mas não teve retorno até esta publicação.
Após a determinação das medidas cautelares contra os investigados, o advogado de Aliatti manifestou-se por meio da seguinte nota:
A defesa técnica de Adir Aliatti, realizada pelo advogado Rodrigo Oliveira de Camargo, ressalta que os fatos expostos na mídia estão distorcidos. Os denunciantes optaram por livre e espontânea vontade viver em sistema de subsistência, assim como ajudaram a gerenciar os valores arrecadados com os diferentes empreendimentos do grupo.
O resultado de todos esses investimentos feitos pelos seus membros eram revertidos em favor da comunidade. Os empréstimos bancários que favoreceram esta forma de organização social foram feitos em nome de Aliatti e com aval dos moradores. As alegadas coações jamais ocorreram.
O advogado garante que o seu cliente sempre se manteve ao dispor das autoridades, além de assegurar que a maioria dos relatos são fictícios e/ou adulterados com o objetivo de atacar Adir. Para a defesa, cabe relembrar que a maioria dos denunciantes detinha cargos de coordenação na Comunidade, aplicavam as terapias, assim como convidavam novas pessoas para participar da comunidade.
Por fim, a defesa afirma que a perseguição midiática tem por objetivo criar uma atmosfera de vulnerabilidade para eximir os denunciantes das suas responsabilidades e escolhas.