Na última semana, familiares de João Omar Lenz, 44 anos, protestaram em frente ao Fórum de Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo. Morador do bairro Belvedere, ele morreu após ser alvejado a tiros dentro de casa durante uma ação da Brigada Militar em 8 de dezembro. Outro homem, de 26 anos, também foi baleado e segue hospitalizado. Os policiais alegam que eles teriam feito menção de atirar contra a guarnição. Já as famílias pedem justiça e sustentam que eles não teriam reagido à abordagem. O caso segue sob investigação da Polícia Civil.
Na segunda-feira (18), uma equipe do Instituto-Geral de Perícias (IGP) esteve na residência onde aconteceu a ação, na Rua Guilherme Kuhn. A perícia deve ajudar a investigação a compreender a dinâmica dos fatos. Três policiais militares da Força Tática estavam no local, quando os dois foram baleados. Os PMs relataram que Lenz e o outro homem teriam feito menção de disparar contra a equipe, e, por isso, um policial, que não teve o nome divulgado, teria revidado, e alvejado os dois.
Na casa onde se deu a ação, foram apreendidos, segundo a BM, um revólver calibre 38, de numeração raspada, municiado, uma pistola artesanal, um carregador de pistola, uma munição de pistola, um ferrolho de arma, um cabo de pistola e um telefone celular. A família de Lenz alega que ele trabalhava consertando armas, celulares, eletrodomésticos e outros itens. Ele teria sido atingido por cinco disparos, no abdômen, no braço e nas costas.
O outro homem, que teria sido alvejado por quatro disparos, segue hospitalizado. Eles foram socorridos ao Hospital Santa Cruz. Lenz faleceu na manhã seguinte, e o outro ficou ferido com gravidade, e segue hospitalizado.
“Esperamos que a justiça seja feita”, diz filha
Taisa Ferreira Lenz, 19 anos, é auxiliar de cozinha, assim como a mãe, que trabalha no mesmo local. No início da noite da sexta-feira, dia 8, as duas estavam trabalhando, quando a mãe foi informada de que algo havia acontecido em casa. A mãe ligou para a filha mais nova, de 11 anos.
— Minha irmã disse: "a polícia atirou no pai”. Minha mãe saiu correndo, e eu fui junto. Não conseguimos chegar perto da casa. Mas todo mundo falava que a polícia tinha atirado no meu pai e no amigo dele. Fomos para o hospital. No sábado, o pai faleceu — descreve Taisa.
Segundo a filha, o pai costumava fazer o conserto de armas e de outros objetos. A jovem é mãe de um menino de cinco anos que estava aos cuidados do avô naquele dia. No dia 13 de dezembro, familiares de Lenz levaram para o centro da cidade cartazes pedindo justiça pelo caso. Eles não acreditam que os dois tenham reagido à abordagem.
— Esperamos que a justiça seja feita. Foi algo totalmente sem explicação, até agora. Foram cinco tiros no meu pai. A gente não sabe o motivo do policial ter feito isso. A gente fica sem saber. Alegam que foi autodefesa. Dar quatro tiros numa pessoa e cinco tiros na outra? Meu pai era uma pessoa muito boa. Não tinha boca para nada. Dificilmente brigava com alguém. Meu filho não chamava ele de vô, chamava de pai — diz a filha.
Advogado que representa os familiares no caso, o criminalista Felipe Raul Haas afirma que o caso está em fase preliminar e que a família entende que houve excesso por parte da BM. Antes de ingressarem na casa de Lenz, os policiais teriam abordado e detido outro homem. Logo depois, teriam acontecido os disparos contra os dois.
— Pelo que foi relatado, eles (Lenz e o outro baleado) gritaram por socorro. Perderam muito sangue. Sofreram bastante até que chegasse socorro. Na cidade, os dois foram taxados como marginais, bandidos. O João nunca foi condenado criminalmente. Ele trabalha com o conserto de armas, mas nem por isso é um bandido. A família vem buscando que eles sejam vistos como vítimas que são. São trabalhadores — diz o advogado.
Segundo a polícia, Lenz tinha dois antecedentes policiais por posse de arma de fogo e o outro baleado não tinha nenhum registro anterior. Industriário, ele é casado, pai de dois filhos, e trabalha há 10 anos na mesma empresa.
Apuração
Um inquérito foi aberto pela Polícia Civil para investigar o caso. A equipe da 1ª Delegacia de Polícia de Santa Cruz do Sul acompanhou os peritos do IGP durante a análise realizada na segunda-feira no bairro Belvedere. Segundo a delegada Ana Luísa Aita Pippi, a polícia está buscando entender como se deu ação. Para isso, o levantamento pericial é considerado essencial. A delegada preferiu não detalhar no momento quais depoimentos já foram ouvidos pela investigação.
A pistola que teria sido usada pelo PM foi encaminhada ao IGP pela própria Brigada Militar. A Polícia Civil também solicitou aos peritos análises na arma de fogo, como a confrontação balística. O relato dos PMs é de que somente um deles efetuou os disparos. A perícia deve apontar se todos os disparos partiram da arma deste policial, por exemplo.
— Várias diligências estão sendo feitas pela Polícia Civil. Estamos apurando com total prioridade — garantiu a delegada.
O que diz a BM sobre o caso
GZH entrou em contato com o 23º Batalhão de Polícia Militar, que informou que o caso está sob responsabilidade do Comando Regional de Policiamento Ostensivo do Vale do Rio Pardo. A reportagem buscou contato com o comandante do CRPO, coronel Giovani Paim Moresco, e ainda aguarda retorno.
Em entrevista coletiva à imprensa na semana passada, o comandante afirmou, segundo o Portal Gaz, que o policial seguia atuando no policiamento na Força Tática e que o PM "agiu perante a legislação". "Naquele momento, fez a leitura do cenário encontrado e utilizou as ferramentas previstas em lei para serem utilizadas naquela instância em que se encontravam os fatos".