Pela primeira vez desde 2018, Porto Alegre teve aumento nos homicídios no mês de agosto, segundo dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP). Com 26 assassinatos, a Capital registrou o dobro de casos em comparação com o mesmo período do ano passado. Por trás da maioria dos crimes, conforme a polícia, está a disputa entre grupos criminosos, que tem levado a uma escalada violenta na cidade e na Região Metropolitana.
Um dos primeiros casos registrados em agosto foi uma cena brutal, gravada por câmeras de segurança no bairro Mario Quintana, na Zona Norte, no segundo dia do mês. Em plena luz do dia, atiradores armados com pistolas saltaram de um carro e atacaram um grupo no meio da rua. Com armas em punho, perseguiram um dos alvos, que foi baleado repetidas vezes, enquanto já estava caído no chão na via – outro foi executado a tiros dentro de um estabelecimento próximo.
Se começou com uma cena dessas, agosto também foi encerrado com outro episódio que materializa a barbárie empregada por grupos criminosos. Ao amanhecer do dia 26, um saco de lixo foi arremessado numa calçada, no bairro Santa Tereza. Dentro dele, estava a cabeça de um homem que havia sido arrebatado de casa naquela madrugada. Horas depois, o corpo dele foi localizado decapitado, dentro de um veículo incendiado também na Zona Sul. A morte deste homem está vinculada às disputas entre facções criminosas, que têm se digladiado em Porto Alegre, gerando onda acentuada de violência.
— A maioria está relacionada a esse contexto de disputa entre facções. Mas tem um fator que é bem importante. Agosto do ano passado tivemos um dos menores números da série histórica. Então, é um comparativo que, por si só, não traz uma informação precisa. Não quero dizer que 26 homicídios é um número baixo. É um número elevado. Mas se pegarmos o histórico de homicídios em Porto Alegre, veremos que a média na Capital é em torno de 20 a 30 por mês — pondera o diretor da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa da Capital, delegado Eibert Moreira Neto.
Em agosto do ano passado, o Rio Grande do Sul alcançou realmente o menor número de homicídios para o mês em 15 anos, com total de 108 vítimas. Na Capital, naquele período foram 13 assassinatos, ou seja, houve aumento de 100% agora. Nos dois anos anteriores, 2020 e 2019, Porto Alegre havia contabilizado 16 homicídios. Somente em 2018 os números foram mais elevados do que agora, com 46 mortes desse tipo no município.
Em setembro, pelo menos 14 assassinatos
GZH contabilizou pelo menos 14 assassinatos e 34 feridos desde o início de setembro na Capital – os dados oficiais só são divulgados pelo governo ao fim do mês. Somente em 12 dias, o número representa 77% do total de casos registrados em setembro do ano passado, quando foram 18 homicídios.
O primeiro registro neste mês se deu no dia 4, quando um homem de 25 anos foi morto entre os bairros Cidade Baixa e Menino Deus durante tiroteio, que ainda deixou uma mulher ferida. No entanto, foram os dois ataques a bares que levaram as autoridades de segurança a reforçar policiamento na Capital. Um deles, no bairro Campo Novo, há pouco mais de uma semana, deixou três mortos e 25 feridos. Já outro ataque, no bairro Bom Jesus, causou uma morte e deixou quatro feridos. Na última sexta-feira (9), cinco pessoas foram mortas e três feridas, em três casos distintos, sendo dois ataques e um confronto com a polícia.
O caso mais recente de homicídio aconteceu na tarde do último domingo (11), por volta das 16h45min, no bairro Rubem Berta, na Zona Norte. Jéssica Patrine Machado Flôres, 37 anos, estava em casa, quando dois homens chegaram ao local. Um deles teria chamado pela mulher, que já do lado de fora da residência foi atingida por disparos de pistola calibre 380.
Segundo o delegado Luis Antonio Reis Firmino, da 3ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o caso está sob investigação e a motivação do crime, assim como a autoria, é apurada. A vítima não tinha antecedentes policiais e a suspeita inicial é de que o crime não possua relação com esses conflitos entre grupos criminosos.
Reforço no policiamento
Há uma semana à frente do Comando de Policiamento da Capital (CPC), coronel Luciano Moritz Bueno afirmou em entrevista à Rádio Gaúcha nesta segunda-feira (12) que uma das estratégias da Brigada Militar é dar visibilidade ao policiamento, para trazer sensação de segurança à população. Ele reiterou que Porto Alegre receberá novo reforço com envio de PMs de outras localidades e que parte dos alunos que se formarão neste mês como soldados serão alocados na cidade. Os números, no entanto, não são informados pelo Comando-Geral.
— Tenho convicção de que vamos reverter esse quadro e voltaremos ao que nós tínhamos de redução. Foi uma instabilidade entre as organizações criminosas e acaba dando todo esse reflexo na sociedade. Todo aquele que um dia acaba matando no outro ele morre. Por isso, se observa sempre esse ciclo. Mas para nós da segurança pública toda a vida importa. O grande problema disso é pessoas que não tem nada a ver com esse cenário, que acabam sendo alvejadas, e acabam aumentando esses indicadores — disse o comandante.
GZH tentou contato com comando do CPC para obter o número de efetivo que já reforça a Capital, e dos futuros concursados, que informou que por questões de estratégia não é possível repassar esse dado.
Outras medidas foram adotadas pelas polícias nos últimos dias na tentativa de reverter esse quadro, como intensificação das investigações para identificar autores das execuções e responsabilizar lideranças. Na semana passada, Paulão da Conceição, suspeito de envolvimento nesses confrontos, foi preso durante operação na Capital. O governo do Estado também busca junto ao Judiciário autorização para transferência nos próximos dias de 25 líderes de facções criminosas para unidades de segurança máxima.
Dados do ano
De janeiro a agosto deste ano, Porto Alegre registrou 196 homicídios – 13 casos a mais do que no mesmo período do ano passado, quando foram 183 vítimas. Até o momento, o mês de março de 2022 foi o que concentrou maior número de pessoas assassinadas, com 37 – ou seja mais de uma por dia. Naquele período a Capital já vivia os reflexos da disputa entre facções criminosas.
A origem desse conflito teria sido uma dívida de pelo menos R$ 600 mil adquirida por um dos grupos. Depois disso, série de crimes foram registrados de ambos lados – o que também veio a envolver, segundo a polícia, uma terceira facção. É esse fator que segue por trás da maior parte dos episódios violentos registrados nos últimos dias na Grande Porto Alegre
No início do ano, as polícias conseguiram estancar momentaneamente o conflito entre os grupos. Com isso, os homicídios caíram em maio, quando foram registrados 13 assassinatos na Capital. É uma fórmula semelhante que se tenta repetir agora. Entre elas, está a troca de informações entre as equipes que estão investigando os assassinatos para encontrar pontos de ligações entre eles.
— Muitas vezes o autor de um crime é vítima de outro. Mantemos essa troca de informações constante. No contexto geral, as investigações têm evoluído bem. Nos principais fatos, já temos investigações encaminhadas. A motivação é muito clara, por conta dessa disputa. Sabemos quais são as facções que estão envolvidas, e isso nos permite dar passos largos das investigações. Essa fase é de coleta de provas para apontarmos as autorias — diz o delegado Eibert Moreira Neto.
Alguns casos de agosto
Execução à luz do dia
No começo de agosto, dois homens foram executados durante o dia numa cena brutal, na Avenida Irmão Faustino João, Loteamento Timbaúva, bairro Mario Quintana. A gravação, feita às 10h58min, mostra um grupo sob a copa de uma árvore, ao lado de uma padaria. Um Fox branco freia e dele descem três criminosos com pistolas em punho. Eles disparam dezenas de tiros contra os jovens que estão na calçada. Um homem foge correndo, mas é alcançado e cai no meio da avenida. Ali é atingido por vários tiros, por dois dos assassinos. O terceiro matador entra na padaria e dispara três vezes, matando um segundo homem.
Bebê morto
Um bebê morreu após ser baleado durante um tiroteio na Lomba do Pinheiro, na zona leste de Porto Alegre, por volta das 16h30min do dia 8 de agosto. O homem que seria o alvo de criminosos que chegaram ao local atirando não ficou ferido, mas um bebê ano e 11 meses, foi atingido por um tiro no peito. O menino chegou a ser socorrido, mas morreu durante a noite de segunda. O pai dele foi preso em flagrante por tráfico de drogas porque foi apreendido dentro da casa dele um quilo de maconha e uma balança de precisão.
Carro incendiado
Dois homens foram encontrados mortos dentro de um carro incendiado na Rua Sebastião do Nascimento, no bairro Mario Quintana, zona norte de Porto Alegre. As vítimas estavam com as mãos amarradas dentro do porta-malas de e apresentavam sinais de estrangulamento. Um dos homens, segundo a polícia, estava com uma corda amarrada ao pescoço e o outro apresentava sinais de estrangulamento, além de hematomas em toda a face.
Decapitado
Em 24 de agosto, a cabeça de um homem foi arremessada dentro de um saco de lixo na Rua Cruzeiro do Sul, no bairro Santa Tereza. Ela foi jogada no local por indivíduos que passaram de carro, por volta das 6h30min. Horas depois, um corpo foi encontrado decapitado dentro de um veículo incendiado no bairro Belém Velho, também na Zona Sul. A perícia também confirmou que ambas as partes são da mesma vítima. O homem havia sido arrebatado de dentro de casa, no bairro Cavalhada, horas antes do crime. A investigação indica que o homicídio teria sido cometido por uma facção rival, originada no Vale do Sinos, em mais um episódio da guerra entre as facções.