Foi concluída a análise realizada pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) no áudio que esteve no centro do impasse que levou ao cancelamento do júri sobre o assassinato do menino Rafael Mateus Winques, 11 anos. Em março deste ano, a mãe dele, Alexandra Salete Dougokenski, deveria ter sido julgada, em Planalto, no norte do RS, mas a defesa abandonou o plenário 11 minutos após o início, por ter um pedido de perícia negado. A análise apontou que a gravação foi encaminhada ao celular do pai.
O pedido da defesa da ré era para que fosse analisado um áudio encontrado no celular do pai do garoto, o agricultor Rodrigo Winques. Na gravação, é possível ouvir uma criança dizendo:
— Sim, ela tá falando com a minha mãe ali.
A data de extração do áudio do celular do pai foi de 15 de maio de 2020, às 20h33min. A defesa de Alexandra argumentou que se Rafael estava vivo nessa data e horário não pode ter sido assassinado pela mãe entre a noite e a madrugada anterior, como afirma a denúncia do Ministério Público (MP).
Por isso, a defesa solicitou que fosse realizada perícia para apontar se a voz era ou não do menino Rafael. A juíza Marilene Parizotto Campagna negou este pedido no começo do júri, que acabou cancelado, mas mais tarde decidiu por outra análise no mesmo áudio.
Em 15 de maio, a juíza determinou a realização de perícia no arquivo de áudio para apurar se é possível identificar a hora e a data de criação do arquivo e sua origem. O intuito era entender a controvérsia sobre a data de criação — a defesa e MP apresentavam versões diversas — e se isso ocorreu diretamente no celular de Rodrigo ou foi encaminhado ao aparelho dele. Nesta semana, foi juntado ao processo o resultado da análise realizada pelo IGP.
A análise concluiu que “considerando as informações acerca do áudio (cita o nome), somada a nomenclatura do arquivo e sua localização na estrutura de pastas do dispositivo (cita a pasta) pode-se inferir que o referido arquivo foi encaminhado (e não gerado via gravador de voz do aplicativo WhatsApp)”.
A conclusão da perícia confirma o que acusação sustentava desde a data do primeiro julgamento, de que o áudio não foi criado pelo aparelho do pai. O MP sustenta que essa gravação até pode conter a voz de Rafael, mas que ela foi recebida em razão do desaparecimento do menino, que naquele momento já havia sido registrado pela mãe na Delegacia de Polícia e comunicado ao Conselho Tutelar.
— Recebemos com muita naturalidade o laudo da perícia, que só corrobora com tudo que nós tínhamos juntado no processo. É bem importante ressaltar que o laudo de forma bem categórica diz que o áudio, o arquivo, foi encaminhado para o celular do Rodrigo. Não foi gerado via gravador de voz. O resultado reforça o absurdo que foi o adiamento deste julgamento e lisura com que o MP sempre tratou o caso. Já poderíamos ter o caso julgado, não precisava ter despendido todo esse tempo e ter todo o gasto de dinheiro público (foram gastos cerca de R$ 160 mil com o júri) — diz a promotora Michele Dumke Kufner.
Um dos advogados de defesa de Alexandra, o criminalista Jean Severo afirma que considera o resultado favorável à defesa.
— Vamos nos manifestar com mais detalhes nos próximos dias. É a voz do menino (o laudo do IGP não fez esse tipo de análise, mas a defesa afirma isso com base em perícia particular). E mesmo que tenha sido encaminhado, foi encaminhado naquele dia. O Rafael estava vivo naquela data. Foi encaminhado naquele dia — afirma.
Novo júri
Com a conclusão da perícia, há expectativa de que a juíza agende nova data para o julgamento do caso. Tanto o Ministério Público quanto a defesa afirmam que esperam ir em breve ao plenário. Espera-se que o novo júri ocorra ainda neste ano.
— Esperamos que agora exauridas todas as discussões que foram trazidas pela defesa principalmente, que a juíza agende a data. Queremos fazer o júri. Queremos que a sociedade tenha a resposta que precisa. Quanto antes a juíza marcar, estamos pronto. Vamos ao plenário para buscar justiça para o Rafael — afirma a promotora.
Severo afirma que mantém a convicção na absolvição da cliente.
— Esperamos a marcação da data do julgamento, para em plenário mostrar tudo que realmente aconteceu naqueles dias que antecederam a morte do Rafael — diz o advogado.
Segundo o Tribunal de Justiça do RS, a magistrada abriu vista do laudo para as partes e elas terão cinco dias para se manifestarem. Somente depois disso, o Judiciário deve se manifestar a respeito do conteúdo da perícia. Sobre o agendamento do novo júri, a juíza informou que está em tratativas com as equipes técnicas para definir a data.
O caso
Rafael Mateus Winques, 11 anos, desapareceu em 15 de maio de 2020 em Planalto, onde residia com a mãe e o irmão. O caso mobilizou a comunidade, que passou a realizar buscas na região. Dez dias após o sumiço, Alexandra indicou à polícia o local onde estava o corpo do filho. O garoto foi encontrado morto dentro de uma caixa de papelão na área de uma casa, a poucos metros de onde a família morava. A mãe confessou ter sido a autora da morte e foi presa no mesmo dia.
Ao longo do processo, Alexandra apresentou diferentes versões para o crime. Na mais recente, apresentada no Judiciário, negou ter sido a autora e apontou o pai de Rafael como o responsável pelo crime. O menino foi morto com uma corda de varal, que foi enrolada ao pescoço dele. O pai chegou a ser investigado durante a apuração, mas a polícia apontou que ele não estava em Planalto no momento em que teria acontecido o crime – o agricultor residia em Bento Gonçalves, na Serra. Para a acusação, Alexandra dopou o filho com medicamentos, depois asfixiou Rafael sozinha dentro do quarto dele.