Um homem de 23 anos, suspeito de atos neonazistas e preso em janeiro deste ano em Tramandaí, no Litoral Norte, teve pedido de habeas corpus negado em junho e um pedido de reconsideração também negado neste mês. Indiciado por terrorismo após investigação de participação em grupo na deep web — lado não regulamentado da internet — e por ameaças a políticos, Israel Fraga Soares foi denunciado pelo Ministério Público e agora responde a processo judicial.
A defesa fez o pedido de habeas corpus e de encaminhamento para prisão domiciliar, alegando que o preso sofre agressões constantes e já foi trocado várias vezes de cela no presídio de Osório. Segundo os advogados Rafael Petzinger e Bruna Ressurreição, o réu é autista e sofre de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC).
De acordo com a decisão da Vara Criminal da Comarca de Tramandaí, não há comprovação de que Soares não esteja recebendo o tratamento adequado. Além disso, consta no despacho que a contenção do suspeito está bem fundamentada, permanecendo inalterados todos os motivos que levaram à decretação da prisão de Soares em regime fechado, tornando-se assim inviável também a substituição por outras medidas como prisão domiciliar.
Em setembro do ano passado, Soares foi alvo de investigação e teve apreendidos vários materiais, entre eles, um capacete da Legião Hitlerista. Ele foi apontado como um dos 40 gaúchos que integram grupo neonazista na deep web, como um adolescente de Lindolfo Collor, no Vale do Sinos, que cumpre medida socioeducativa por transmitir ao vivo na internet a execução de um cachorro, e um homem de Novo Hamburgo que fez ameaças a várias pessoas, uma delas o ator Douglas Silva, que participou do BBB 22.
O réu ainda foi apontado por criar perfis nas redes sociais que incitam ódio a judeus, negros e outros grupos — ele foi detido e posteriormente indiciado. Segundo a Polícia Civil, houve o entendimento de que os atos cometidos por Soares estão enquadrados na Lei Antiterrorismo. Na ocasião, ele alegou que não faz apologia ao nazismo, apenas gosta de ideias de Adolf Hitler, e que um vídeo feito por ele em um canal do Youtube, com o capacete, não passava de brincadeira.
Contra Soares, foram feitas ocorrências pelo vereador de Porto Alegre Leonel Radde (PT), que investiga extremistas e faz denúncias à polícia por meio de dossiês neonazistas, pela vereadora transexual Benny Briolly (PSOL), de Niterói, no Rio de Janeiro, pelo influenciador digital brasileiro Antônio Isupério, que reside nos Estados Unidos.
A responsável pelo inquérito foi a delegada Andrea Matos. Segundo ela, até então, Soares não tinha antecedentes criminais, não negou o extremismo e as postagens, mas negou preconceito a grupos minoritários.
Veja a íntegra da nota da defesa enviada a GZH:
"O Escritório de Advocacia Ressurreição&Petzinger, por meio de seus sócios, Rafael Petzinger e Bruna Ressurreição vem a público se posicionar contrariamente à decisão do Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Tramandaí e a 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que determinou a manutenção da prisão preventiva de Israel Fraga Soares.
Israel, jovem com 23 anos de idade, apresenta comprovadamente quadro de Autismo e TOC o que acarreta significativa defasagem de desenvolvimento quando comparado às demais pessoas de sua faixa etária. O transtorno do Espectro Autista trata-se de uma deficiência, amparada pela lei Berenice Piana, e não uma doença, como fortemente rebatido pelo Ministério Público no presente caso, o que já demonstra a incapacidade do estado em dirimir casos envolvendo este tipo de pacientes. Israel teve uma infância muito sozinha, pois em razão do seu quadro clinico, e da falta de informação das pessoas, nunca conseguiu se incluir em nenhum grupo social e sempre foi excluído pelas demais crianças. Na sua Adolescência apresentou problemas de relacionamento com as demais pessoas, em decorrência de seu déficit na interação social, característica das pessoas portadoras do espectro autista.
Outra característica relacionada ao TEA, diz respeito a interesses intensos e altamente focados, geralmente desde uma idade bastante jovem. É o que podemos chamar de hiperfoco. O Hiperfoco é uma das características mais comuns das pessoas com autismo. Discutir continuamente os mesmos tópicos em uma conversa, tocar obsessivamente a mesma música repetidamente ou ler todos os artigos escritos sobre um determinado tópico são algumas das maneiras pelas quais o hiperfoco pode se manifestar. Israel infelizmente acabou desenvolvendo seu hiperfoco na causa nazista, fato imputado a ele no processo criminal que mantem sua prisão. Muito provavelmente, em razão de nunca ter conseguido se encaixar em algum grupo social, acabou na internet encontrando acolhimento em um grupo criminoso/nazista, os quais utilizaram da deficiência e da vulnerabilidade de Israel para a prática de atos nazistas.
O escritório Ressurreição&Petzinger repudia a prática de atos nazistas em qualquer que seja a situação, porém a manutenção da prisão de uma pessoa deficiente, portadora do espectro Autista, em casa prisional sem as mínimas condições para receber pessoas especiais fere diversos princípios basilares do direito, principalmente o Dignidade da Pessoa Humana, bem como o da isonomia. A sociedade não está protegida com a prisão de Israel, muito pelo contrário, está colocando em sérios riscos a vida de um jovem especial e sonhador, que já sofreu as mais variadas agressões em seu enclausuramento. Fica a aqui a indignação em razão da manutenção da prisão preventiva de Israel, que é apenas mais um jovem autista tentando ser aceito por alguém. Israel não é o vilão, Israel é a verdadeira vítima da sociedade".