Nova decisão da Justiça sobre o caso do assassinato de uma advogada em Porto Alegre levou à suspensão do processo, sem previsão de ser retomado. Maria Elizabeth Rosa Pereira, 65 anos, presidente da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) foi morta com tiro, no bairro Partenon, na Capital, em abril de 2020. Principal suspeito, o PM da reserva José Pedro da Rocha Tavares, 50, foi considerado incapaz de compreender os fatos à época do crime após avaliação do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF). Agora, o Judiciário homologou este laudo e, com isso, trancou o processo, até que o réu se recupere.
Após o resultado deste laudo elaborado pelos peritos do IPF no ano passado, tanto Ministério Público, quanto as advogadas que atuam no caso como assistentes de acusação em nome da família da vítima tinham impugnado a perícia. Antes de decidir se aceitava ou não a perícia, a juíza Cristiane Busatto Zardo, da 4ª Vara do Júri do Foro Central de Porto Alegre, pediu esclarecimentos do caso ao próprio IPF e documentos à Brigada Militar – já que se trata de PM da reserva.
No entendimento da magistrada, as novas informações colhidas nessa fase em nada alteram o entendimento de que Tavares era mesmo incapaz de compreender os fatos quando houve o crime – em razão de problemas de saúde anteriores, como epilepsia, e traumas causados por um acidente – e que segue incapacitado, com novas lesões em razão do disparo de arma de fogo contra a própria cabeça. Pela atual decisão, o processo deve permanecer suspenso até o restabelecimento do acusado, embora não haja perspectiva de que isso possa acontecer, dada a gravidade do caso.
Responsável pela defesa do réu, a advogada Andrea Garcia Lobato sustenta que o resultado da perícia do IPF confirma que não houve feminicídio neste caso. Maria Elizabeth foi encontrada baleada com um disparo e Tavares também, com um tiro na cabeça, dentro da casa dele. Uma pistola de calibre 9 milímetros, que pertencia ao policial da reserva, foi apreendida. A motivação do crime nunca ficou esclarecida, já que não havia indicativo de brigas entre eles. A defesa de Tavares sustenta que o caso se tratou de uma fatalidade.
A juíza determinou ainda que os pedidos de perícias pendentes sejam analisados e, se for o caso, realizados. Na mesma decisão, apontou que, caso alguma testemunha apresente problemas de saúde ou idade avançada poderá ser ouvida, mesmo com a suspensão em vigor. Outras etapas do processo deverão permanecer paradas, até que o réu seja considerado capaz, por perícia médica oficial.
As advogadas que representam a família no processo, Karla Sampaio, Katherine Heinz e Julia Rödel de Moraes, esperam conseguir obter mais informações sobre o caso justamente por meio de novas perícias. Uma delas é a reprodução simulada dos fatos, popularmente conhecida como reconstituição. GZH entrou em contato com o Ministério Público sobre o caso e aguarda retorno.
Juíza descarta laudo que manteve porte de arma
Um dos pontos que havia sido levantado pela acusação durante o processo é o fato de que um ano antes do crime o PM da reserva foi considerado pela Brigada Militar como apto para manter o porte de arma de fogo. Esse foi um elemento elencado como importante para questionar o laudo do IPF que considerou o réu incapaz.
No entanto, na nova decisão, a juíza Cristiane afirma que o próprio réu relatou que não houve real avaliação antes de considerá-lo apto. Quando ouvido, Tavares disse que “nunca foi avaliado, de forma concreta, para a renovação do porte”. O porte era renovado de cinco em cinco anos, e o réu mantinha duas pistolas em casa, uma de calibre .380 e outra 9 milímetros, segundo seu relato.
A magistrada considera ainda que a informação da profissional (psicóloga) que fez a avaliação de aptidão “permite concluir que (a avaliação) era quase que mera formalidade”. “Aquele laudo de aptidão, portanto, não se presta para indicar a capacidade mental do acusado, devendo ser, para os fins desta análise, desprezado”, afirma a juíza.
No ano passado, quando houve conclusão do laudo psiquiátrico, a BM se manifestou por meio de nota, na qual afirmou que a avaliação psicológica de PMs inativos para porte, posse ou manuseio de arma é realizada por psicólogos civis credenciados junto à instituição. A corporação afirmou, ainda, que a avaliação retrata o momento no qual é realizada e que não se descarta que um quadro com alterações comportamentais ou emocionais possa surgir posteriormente à avaliação psicológica. GZH entrou em contato novamente com a BM sobre o fato e aguarda retorno.
O laudo em debate
O laudo, assinado por dois psiquiatras, foi realizado em razão de incidente de insanidade mental – procedimento instaurado pela Justiça para saber se o réu tinha condições de compreender o crime. A perícia leva em conta, além de observação e entrevista do paciente, histórico de internações e medicações.
Em relato aos médicos, Tavares disse que não recorda de quando aconteceu o assassinato. O PM da reserva afirmou só se lembrar de ter acordado no Hospital da Brigada Militar, além de negar que os dois mantivessem um relacionamento – alegou que eram amigos há 17 anos. A investigação apontou que eles mantinham relação havia cerca de duas décadas, mas não residiam na mesma casa.
A análise aponta que Tavares teve a função mental prejudicada por dois eventos traumáticos. O primeiro deles, em 1997, quando sofreu um acidente de carro e o outro, após a morte de Maria Elizabeth, quando teria atirado contra a própria cabeça. Na época, o PM estava aposentado havia quatro anos por tempo de serviço e, segundo consta em decisão da Justiça, fazia uso de remédios antidepressivos e para epilepsia.
No laudo, os médicos apontam que atualmente o réu “apresenta sintomas físicos e mentais de alta gravidade, irreversíveis e totalmente incapacitantes, consistindo o conjunto sintomático em um quadro demencial”. O documento contraindica que ele seja mantido na prisão, em função do risco para a saúde física e mental.
O crime
Na noite anterior ao crime, o irmão do policial militar teria sido chamado por Maria Elizabeth para que fosse até o bairro Partenon, onde eles viviam, porque o companheiro dela não estava querendo tomar uma medicação de uso controlado. Os três teriam permanecido juntos na casa de Tavares até a madrugada. O irmão contou à polícia que deixou o local e, na sequência, ouviu os tiros. A investigação concluiu que ele atirou nela e depois tentou se matar. O Ministério Público (MP) denunciou Tavares pelo crime de homicídio triplamente qualificado, devido ao motivo torpe, uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima e pelo feminicídio.
Contrapontos
O que diz a defesa
Por nota, a advogada Andrea Garcia Lobato afirmou que a defesa espera que o réu seja inocentado das acusações. Confira:
“A defesa trabalhou muito para comprovar a inocência do réu, que possui problemas graves de saúde, com auxílio profissional da perita psiquiatra forense Dra. Alcina Barros. Tudo o que o réu precisa é de paz e tratamento adequado. No entendimento da defesa, impossível caminho diverso a absolvição do réu, que é a medida que se impõe, frente a prova dos autos.”
O que diz a assistente de acusação
Em nota, as advogadas Karla Sampaio, Katherine Heinz e Julia Rödel de Moraes afirmam que na mesma decisão sobre o laudo de insanidade, a juíza ressalvou a possibilidade de realização de outras provas. Em nome de familiares da vítima, elas buscam a realização de novas perícias para esclarecer o caso. Confira:
“De nossa parte, vamos solicitar a reprodução simulada dos fatos (conhecida como reconstituição), com a finalidade de entender efetivamente o que ocorreu naquele dia. A vítima, infelizmente, não está mais entre nós para relatar a dinâmica dos fatos, descrever se houve alguma desavença anterior ao trágico desfecho, contar os motivos exatos pelos quais foi covardemente alvejada ou, mais grave ainda, se houve outros participantes além do réu nos tiros que lhe ceifaram a vida. Esperamos que, assim, tenhamos um esclarecimento maior sobre o que realmente ocorreu naquele dia.”