A abordagem policial que resultou na morte do policial rodoviário federal aposentado Fábio Zortea, 59 anos, segue sob investigação do Polícia Civil. O caso ocorreu na madrugada de segunda-feira (23), em Torres, durante desentendimento ocorrido na abordagem realizada por dois policiais militares aos filhos de Zortea. O PRF morreu ao tentar intervir no confronto.
A polícia afirma que está apurando os acontecimentos e ouvindo envolvidos e testemunhas para estabelecer responsabilidades.
A seguir, veja alguns pontos sobre o caso
Como foi
A ocorrência se deu entre a noite de domingo (22) e a madrugada de segunda (23). A Brigada Militar afirma que recebeu ligações que pediam para que dois homens fossem contidos, porque estariam causando perturbação da ordem pública em uma padaria na região central da cidade de Torres.
Na versão da BM, quando a equipe chegou ao local, Fábio Augusto e Luca, filhos de Zortea, teriam se negado a cumprir a ordem de parada e revista, passando a agredir um dos policias. Os irmãos também teriam imobilizado e tentado tirar a arma de um dos PMs.
Ao perceber a briga, Zortea foi até o local, onde foi baleado e morto.
A defesa dos irmãos alega, no entanto, que eles não estavam causando confusão na rua. Além disso, o proprietário do estabelecimento afirmou, na terça, que os responsáveis pela perturbação não eram os filhos do policial morto.
O que mostram os vídeos
As imagens mostram também um policial militar imobilizando um homem, que, segundo a investigação, seria Fábio Augusto.
Em outro momento, é possível ver um dos PMs sendo imobilizado perto da parede. É quando o outro policial militar, que está mais distante, atira contra Fábio e os filhos, atingindo o policial aposentado.
Nas cenas, também há momentos que mostram um segurança privado e os PMs dando golpes nos homens enquanto eles já estão no chão. É possível ouvir frases como "solta ele", "não faz isso", "tu vai matar ele" e "eu sou polícia também".
Segundo uma testemunha que relata ter visto a abordagem desde o começo, os PMs "já chegaram exaltados" ao local. Ele diz que assim que os filhos do aposentado estacionaram o Gol branco em que estavam, se renderam e levantaram as mãos para cima como determinaram os policiais na abordagem. Mas em algum momento posterior, há algum desentendimento, onde começa a briga.
Na terça, o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Júlio César de Melo, afirmou que é "temerário" tirar conclusões com base nas imagens e que é preciso reunir mais provas técnicas para avaliar a ação. Para ele, a análise das cenas "não permite conclusão do que efetivamente ocorreu naquela circunstância". Outras imagens estão sendo encaminhadas, diz Melo.
Filhos do policial foram soltos
Detidos desde a madrugada de segunda, os filhos do policial morto foram soltos na terça-feira, após conseguirem liberdade provisória concedida pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Torres. O pedido havia sido ajuizado pela defesa da família na noite anterior.
Com a medida, Luca, que estava detido na delegacia de Torres, conseguiu acompanhar o velório do pai. O irmão dele, que tem o mesmo nome do pai morto na ocorrência, Fábio, foi baleado em uma das pernas e segue internado no hospital Nossa Senhora dos Navegantes.
Policiais são afastados
A Brigada Militar não divulgou a identidade dos PMs envolvidos no caso.
Os dois policiais que atenderam a ocorrência inicialmente integram a equipe do 2º Batalhão de Policiamento de Áreas Turísticas (2º BPAT). Eles foram afastados de suas atividades ainda na segunda e "serão atendidos pelo serviço psicossocial prestado pelo Comando Regional, em Osório", informou a corporação. O afastamento é procedimento padrão, segundo a corporação, e ocorre para que a atuação dos brigadianos seja apurada.
Há ainda outros três PMs, que chegaram depois ao local, para dar apoio à guarnição, que também foram afastados e são investigados no inquérito. Se trata de dois soldados e um sargento.
O segurança privado, um vigia que atua na rua, que aparece nas imagens auxiliando a atuação da BM, por enquanto, figura como testemunha. Ele já prestou depoimento e terá sua conduta avaliada. A polícia não esclareceu se o homem trabalha como vigia de forma autônoma ou se era funcionário de alguma empresa.
Ação "foge da normalidade", diz vice-governador Ranolfo Vieira Júnior
Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, na terça-feira, o vice-governador e secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Ranolfo Vieira Júnior, afirmou que a ação "foge da normalidade das abordagens" da BM. Segundo ele, os policiais militares erraram ao usar arma de fogo no episódio.
— Não podemos fazer juízo antecipado, mas é lógico, não precisa nem ser da área da segurança pública, se verifica que a abordagem não é a recomendada nas academias de polícia — declarou.
Como está a investigação da Polícia Civil
A polícia tenta agora reconstituir todos os acontecimentos do caso. Em entrevista coletiva na tarde de terça-feira, o subchefe de Polícia, Fabio Motta informou que a investigação busca identificar novas imagens, que tenham registrado toda a ação:
— Tem uma situação inicial que gera a abordagem feita pela BM. E um segundo momento, que está interligado, que é o pós-abordagem. Muitas imagens já foram divulgadas, mas não são imagens completas. Não nos dão o início da abordagem até o instante final que aquelas pessoas acabaram sendo retiradas do local e levadas ao hospital de Torres.
A polícia também afirmou que os cinco policiais militares que aparecem nas imagens são investigados. Dois deles por homicídio doloso - quando há intenção matar. Os irmãos Fábio e Luca também são considerados investigados. Segundo Motta, há "certa contradição" ao comparar os depoimento já colhidos.
Outra ponta da investigação deve esclarecer se os dois homens que causaram confusão na padaria eram ou não os filhos do policial morto.
Na coletiva, a polícia esclareceu ainda que pediu a prisão dos irmãos na madrugada de segunda com base em imagens de agressão a um dos policiais militares, com base nos "elementos iniciais" da ocorrência.
Em geral, o inquérito tem prazo legal de 30 dias para conclusão, mas a polícia pode pedir prorrogação desse tempo.
O que dizem as partes envolvidas
Em nota, a BM afirmou que lamenta a morte do policial aposentado. A corporação informou que o Comando Regional de Policiamento Ostensivo do Litoral (CRPO Litoral) instaurou Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar os fatos. A apuração ficará a cargo de um oficial do Comando Regional, e não do 2º BPAT, "a fim de manter total isenção e elucidar a ocorrência com a transparência necessária".
Sobre o afastamento dos cinco policiais, a BM diz que o procedimento é padrão e ocorre para que a atuação dos brigadianos seja avaliada.
Já a defesa da família, feita pelo advogado Ivan Brocca, afirmou que a BM agiu de forma "truculenta" e com "total despreparo". O advogado afirmou que irá pedir a prisão dos dois policiais envolvidos no caso por homicídio.
Enterro de Zortea ocorreu sob aplausos e orações
O sepultamento do corpo do policial rodoviário morto na ação ocorreu na terça, no cemitério municipal. Mais de 70 pessoas participaram das últimas homenagens. Também foi realizado um cortejo fúnebre com mais de 20 carros, que percorreu cerca sete quilômetros até chegar ao cemitério. Buzinaço e som do giroflex dos veículos da PRF deram o tom durante o trajeto.