Uma série de episódios de violência doméstica teve desfecho trágico na última sexta-feira (8) na área rural de município com cerca de 5 mil habitantes no norte do Rio Grande do Sul. Segundo a Polícia Civil, Fabiano Cardoso de Vargas, 33 anos, o Zoreia, que já foi condenado por tráfico internacional, viajou mais de 400 quilômetros entre Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, e uma localidade na área rural de Caiçara, quase na divisa com Santa Catarina atrás da ex-companheira. Acompanhado das três filhas pequenas, acabou morto a tiros, após se envolver em ameaças a moradores e no furto de um veículo. Uma das crianças também foi baleada no peito.
O caso chegou até a polícia no início na manhã da sexta-feira, quando por volta das 9h30min, a Brigada Militar foi chamada para ir até a localidade, onde moradores relatavam que havia um homem transtornado, fazendo manobras perigosas com um veículo, com três crianças dentro dele, e ameaçando pessoas com uma faca. Enquanto seguiam para atender o caso, os policiais militares depararam com o carro, um Ka vermelho, parado no meio da estrada. Vargas estava caído para fora do veículo, baleado no abdômen e inconsciente. As três filhas, de nove, seis e um ano estavam junto dele apavoradas. A caçula estava ferida com um disparo no peito.
Os PMs socorreram a criança até o hospital do município, para onde também foram levadas as irmãs dela. A menina baleada precisou ser transferida para a casa de saúde de Tenente Portela, onde se constatou que a bala não ficou alojada e que nenhum órgão vital foi atingido. Já Vargas foi encaminhado em estado grave para Frederico Westphalen, onde não resistiu aos ferimentos e morreu. No local onde ele foi encontrado com as crianças os policiais apreenderam o celular dele e uma faca.
Inicialmente, os policiais não sabiam quem havia sido o autor dos disparos contra pai e filha. Uma investigação foi aberta para apurar as circunstâncias. A polícia descobriu um histórico de violência doméstica envolvendo Vargas e a ex-companheira.
— A mulher tinha fugido de casa há uns seis meses, ela chegou a ter medida protetiva contra ele, registrou várias ocorrências envolvendo brigas e ameaças. Ele estava atrás dela e, de alguma forma, soube que ela estava escondida em Caiçara, na casa de parentes. Ele pegou os filhos e veio até a cidade, para levar a mulher embora. Já em Caiçara furtou o carro de um parente da ex e começou a ameaçar pessoas que poderiam saber onde ela estava — descreve o delegado Ercílio Carletti, responsável pela investigação.
A polícia acredita que Vargas tenha ido até o município de carona com alguma pessoa ainda não identificada. Nesta terça-feira (12) um homem compareceu na Delegacia de Polícia de Caiçara, acompanhado de advogado, e confessou ter sido ele o autor dos disparos. A polícia não informou o nome dele e nem se tinha parentesco com os envolvidos. Segundo o delegado, em depoimento, ele relatou que Vargas teria lhe ameaçado com a faca para que ele dissesse onde estava a ex-mulher.
— Segundo a versão do autor, ele partiu para cima dele com a faca. Ele insistiu para que ele fosse embora, mas como não parou, efetuou os disparos, em legítima defesa. A criança, no colo do pai, acabou atingida. Ela está fora de perigo, está bem, felizmente. É um típico caso de violência doméstica, que acabou resultando em morte. Já temos a autoria, motivação e materialidade. Ele alega legítima defesa, realmente o rapaz tem histórico violento e estaria transtornado, possivelmente até sob efeito de entorpecentes, mas ainda vamos apurar melhor, aguardar as perícias — afirmou Carletti.
A necropsia deverá apontar quantos disparos atingiram Vargas e o laudo toxicológico apontará se ele estava sob efeito de alguma droga. O autor confesso afirmou que entregará à polícia o revólver de calibre 22, usado na ação. Segundo o delegado, a arma estava com registro vencido. A polícia ainda analisa por quais crimes ele poderá responder. Como não houve flagrante, ele foi ouvido e liberado. Conforme o delegado, após analisar o caso, a polícia definirá se deve solicitar alguma medida cautelar.
Após ter sido baleado, Vargas teria ingressado novamente no carro com as filhas e seguido em direção à cidade, mas não conseguiu concluir o trajeto. Neste percurso, ele foi localizado pelos policiais militares. A ex-companheira deverá ser ouvida pela Polícia Civil nesta quinta-feira (14). As crianças foram encaminhadas ao Conselho Tutelar, que está fazendo o acompanhamento do caso. Atualmente, elas estão sob cuidados de uma familiar.
Tráfico internacional
Zoreia, como era conhecido, é considerado pela polícia como uma das lideranças da facção com berço no Vale do Sinos. Morador do bairro Canudos, em Novo Hamburgo, entre 2013 e 2014 foi um dos investigados pela Polícia Federal durante a Operação Panóptico, que descortinou esquema de tráfico internacional envolvendo o grupo criminoso. Naquele momento, foi apontado como integrante do terceiro escalão, responsável pela parte operacional, como entregas de remessas de drogas e transporte até o RS.
Segundo a Justiça Federal, Vargas foi condenado por associação para o tráfico de drogas internacional a cinco anos de prisão. Ele começou a cumprir a pena em abril de 2014 e entrou em liberdade condicional em outubro de 2017 - a pena teria sido cumprida na íntegra em julho de 2019. Ele possuía antecedentes criminais também pelo crime de roubo.
Quando ouvido, Zoreia negou que conhecesse os investigados no esquema de tráfico internacional. No processo pelo qual foi condenado, também foram sentenciados outros sete envolvidos com o grupo criminoso, entre eles lideranças da facção - dois réus foram absolvidos. A investigação da Polícia Federal apontou na época que a droga era recebida pelo grupo a partir da negociação com Jarvis Chimenes Pavão, considerado maior distribuidor de drogas para o RS a partir da tríplice fronteira, entre Brasil, Paraguai e Argentina.
A Operação Panóptico apontou a vinculação de Pavão com o grupo do Vale do Sinos. Em 2016, foi descoberto que o mesmo narcotraficante mantinha uma cela de luxo na penitenciária de Tacambu, em Assunção, onde cumpria pena de oito anos por crimes de lavagem de dinheiro e porte ilegal de armas no Paraguai. No ano seguinte, Pavão foi extraditado para a penitenciária federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.