O inquérito sobre o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, enviado ao Judiciário nesta sexta-feira (11) pela Polícia Civil, concluiu que a vítima, já desfalecida, ficou caída na área de acesso ao supermercado Carrefour, na zona norte de Porto Alegre, por sete minutos, sem que ninguém prestasse algum tipo de socorro.
O relatório, assinado pela delegada Roberta Bertoldo, aponta que entre 20h42min e 20h44min, João Alberto foi agredido pelos seguranças. Das 20h44min até 20h48min, foi imobilizado. O ex-PM temporário Giovane Gaspar da Silva com o joelho sobre seu braço e Magno Braz Borges com o joelho sobre suas costas. Na data do crime, ambos trabalhavam para a empresa terceirizada Vector.
Às 20h48min, Giovane e Magno cessam a contenção da vítima que não se mexe mais. Um homem que está próximo da cena se aproxima e se abaixa para conferir os sinais vitais de João Alberto, que está imóvel. Antes de chamar o socorro, a fiscal do Carrefour Adriana Alves Dutra aciona a Brigada Militar.
A Ficha de Atendimento Pré-Hospitalar do Samu aponta que às 20h55min Adriana liga para o serviço de urgência. A degravação da conversa telefônica aponta que a funcionária do supermercado conta que João Alberto havia agredido clientes e arrumado confusão.
— Demoraram para chamar o socorro. A BM ela chamou bem antes. Quando ela liga para o Samu, ela diz que a vítima brigou com os clientes. Ela está sempre colocando que ele brigou com as pessoas. Na ligação ela refere que ele desmaiou, mas ele já estava morto — afirma a delegada em coletiva de imprensa.
Às 21h08min, a equipe do Samu chega ao local e passa a fazer massagem cardíaca em João Alberto. Uma segunda equipe de atendimento de emergência vem em auxílio e dá continuidade ao procedimento até as 21h43min, quando a morte é confirmada.
— O Samu leva 14 minutos do HPS até o supermercado. Eles não atrasaram. Foram no momento em que foram chamados. A questão é que temos o Hospital Cristo Redentor (HCR) a dois minutos (o Carrefour Passo D'Areia está a 1,2km do HCR). Eles poderiam, sim, ter pego a vítima e levado até lá e não fizeram. A vítima ficou ali jogada — reforça a delegada.
No relatório final sobre o caso, a delegada escreve: "O tratamento dispensado a João Alberto foi desumano e degradante. Submete-se pessoa sob sua custódia em posição humilhante e afrontosa de sua dignidade em frente a inúmeros populares que ali assistiam incrédulos o que se passava. Coloca-se a vítima no chão de um estacionamento, numa evidente posição de submissão, por tempo necessário a ter encerrada sua vida".
Adriana, Giovane e Magno, além de outras pessoas, foram indiciadas por homicídio triplamente qualificado.
Veja o diálogo de Adriana com operador do Samu:
Operador: SAMU 192, qual a sua urgência?
Adriana: Ah… um senhor aqui se pegou no pau com um pessoal aqui embaixo; ele tá passando mal… tem como alguém deslocar aqui no Carrefour? Urgente!
Operador: Carrefour de qual (inaudível)?
Adriana: Carrefour da Plínio!
Operador: Ah tá! Não é o da Bento Gonçalves ali!?
Adriana: Ãhn!?
Operador: Não é na Bento Gonçalves?
Adriana: Não! É Plínio Brasil Milano!
Operador: Tá. Qual é o número aí!?
Adriana: Ah.. 2343.
Operador: Com quem eu tô falando!?
Adriana: Com a ADRIANA.
Operador: Tu sabe o nome dele!?
Adriana: Quê!?
Operador: Tu sabe o nome dele!? Não?
Adriana: Não, não sei. Ele é cliente.
Operador: Não tem problema… que idade que ele tem aproximado?
Adriana: Acho que tem uns quarenta, cinquenta anos.
Operador: Cinquenta anos… e o que que aconteceu aí!?
Adriana: É, eles brigaram aqui, né! E aí…
Operador: Agressão?
Adriana: Isso… não… ele é cliente. Ele brigou aqui com outros clientes, com outras coisas… a gente tentou se envolver aqui… a gente tá bem complicado aqui. Já chamei a Brigada, senhor. Por gentileza manda (inaudível)… só um pouquinho (conversando com outra pessoa)…
Operador: É Adriana né!?
Adriana: É isso.
Operador: Tá. O que está acontecendo com a pessoa? Ela tá…
Adriana: Acho que ele desmaiou!
Operador: Ah, (inaudível). Tá… Adriana, avenida Brasil Milano; dentro do Carrefour tu disse, né!?
Adriana: Isso; dentro do Carrefour, isso!
Operador: Tem alguma loja; alguma coisa que possa…
Adriana: Sim, assim que chegar aqui… se chegar aqui perto eu já peço pra deslocar… to em QAP aqui cuidando, tá bom!?
Operador: É Passo D´Areia aí!?
Adriana: Tá bom…
Operador: Alô!? Fica na linha Adriana, não…
Adriana: Tá, tô na linha…
Segundo o Instituto-Geral de Perícias (IGP), a causa da morte foi asfixia mecânica por sufocação indireta. Conforme o Diretor do Departamento Médico-Legal do IGP, Eduardo Terner, esse tipo de asfixia ocorre quando há peso sobre a região torácica ou lombar, que perturba o mecanismo de respiração e impede a expansão do tórax.
Para chegar a essa conclusão, os peritos médico-legistas fizeram vários tipos de investigações. Além da necropsia, foram coletados fragmentos de órgãos internos para análise anatomopatológica e para os exames toxicológicos, que descartaram o consumo de álcool e drogas pela vítima. Vídeos fornecidos pela Polícia Civil também foram analisados para a compreensão da dinâmica do fato. Três médicos-legistas, patologistas e os peritos que atuaram na cena do crime trabalharam integrados.
— Foi um trabalho de alta complexidade, o que determinou o tempo para a entrega dos laudos — afirmou a diretora-Geral do IGP, Heloisa Kuser.
Contrapontos
Responsável pela defesa de Magno Braz Borges, o advogado Jairo Luis Cutinski aguarda acesso ao relatório do inquérito para se manifestar.
Responsável pela defesa do ex-PM temporário Giovane Gaspar da Silva, o advogado David Leal não teve acesso a íntegra das informações, ao relatório final do indiciamento e aos laudos do IGP. "Os laudos serão avaliados pela nossa equipe de peritos, assim como todo levantamento de informações que foi feito pela polícia. Se necessário, iremos contestar."
Responsável pela defesa de Adriana Alves Dutra, o advogado Pedro Catão informa que "está acompanhando a investigação e entende que a prisão temporária a qual está submetida é absolutamente ilegal desde a sua decretação, tendo em vista que determinada de ofício pela Magistrada. Além disso, Adriana esteve em todos os momentos à inteira disposição para auxiliar no andamento do inquérito policial, não sendo verdadeira a alegação de que seu paradeiro era desconhecido. Esse fato foi comprovado por elementos de investigação colhidos e já documentados. A regra, no processo penal, é a liberdade, sendo a prisão medida extremamente excepcional e que necessita de fundamentação concreta, não se justificando no caso de Adriana, senhora primária, de 51 anos e portadora de doenças graves. Quanto ao mérito dos fatos investigados, a defesa somente irá se manifestar após ter acesso ao relatório final da Autoridade Policial."
Posicionamento do Carrefour
"Até o momento, o Carrefour informa que não teve acesso a conclusão do inquérito da Polícia Civil a respeito do caso ocorrido na noite do dia 19 de novembro, em Porto Alegre. Seguimos à disposição dos órgãos para contribuir com todas as informações necessárias e reforçamos nosso repúdio a qualquer tipo de violência e agressão em nossas unidades."
Posicionamento do Grupo Vector:
"O Grupo Vector manifesta seu repúdio a qualquer ato de violência e lamenta o fato ocorrido na noite de 19/11/2020. A Vector reforça que não compactua com ações de violência, independente do tipo, caráter e objeto alvo da violência. Os colaboradores envolvidos com os acontecimentos foram desligados do quadro de funcionários da Vector. A Vector possui seus valores a fundados na Cordialidade e Empatia para desempenho de suas ações, respeitando a vida. No presente momento, a prioridade da Vector é contribuir integralmente com as investigações e ações da Justiça. Garantir que qualquer fato semelhante jamais aconteça novamente é o principal compromisso da Vector, através da transformação ao qual a empresa se encontra, mantido pelo diálogo transparente estabelecido com a sociedade."