Aos 40 anos, mãe de duas jovens, uma moradora da zona sul de Porto Alegre não consegue abraçar as filhas. A aproximação de qualquer pessoa faz seu corpo se retrair. A voz e as mãos tremem frequentemente. Acostumada a sair de casa por anos para sustentar a família, passou as últimas semanas reclusa. Não consegue dormir sem remédios. São reflexos do trauma de ter sido atacada por um estuprador. O crime aconteceu no Parque Marinha, no bairro Praia de Belas, quando ela seguia para o trabalho.
Vera* chora constantemente ao relatar os momentos vividos na manhã de 30 de setembro. Pouco antes das 9h, sob chuva forte, desembarcou do ônibus que utilizava todos os dias para ir do bairro Cristal até a Avenida Padre Cacique. Dali, seguiu caminhando em direção ao comércio onde trabalha há três meses. Carregava a bolsa e um guarda-chuva. Nas proximidades da Rua Barão do Cerro Largo, no limite entre os bairros Menino Deus e Praia de Belas, foi surpreendia pelo criminoso armado com uma faca de cozinha.
— Não vi ele se aproximar, estava chovendo muito —recorda.
De lá, foi obrigada a seguir com ele até o Parque Marinha, do outro lado da avenida. No trajeto, o assaltante disse à vítima para afirmar que era sua mãe, caso fossem abordados por alguém. Garantiu que ela seria libertada em seguida. Vera acreditou na palavra dele. Já havia sido roubada outras vezes, no trajeto entre a casa e o trabalho, inclusive com arma de fogo. Em nenhum dos episódios, ficou ferida. Ao se aproximar do parque foi forçada a ingressar no gramado. Atrás da estação do Departamento Municipal de Água e Esgotos, foi estuprada.
— Não faz isso comigo, estou indo para o trabalho — implorou, sem ser atendida.
Durante o crime, o bandido a ameaçava passando a faca em seu pescoço e barriga. Diversas vezes, ela teve certeza de que seria morta. Pensava nas filhas, imaginava seu corpo sendo encontrado no parque. Em silêncio, pedia a alguma força divina para sair do local com vida.
— Tinha certeza de que ele ia me matar. Que ia fazer aquilo e me deixar estendida ali. Ele estava furioso. Empurrava e estocava a faca. Tinha que fazer o que ele estava mandando — conta.
Parece que só vejo ele ali, falando as coisas, no meu ouvido. Não consigo sair fora do portão. Qualquer barulho, entro em pânico
VÍTIMA
40 anos
Após ser violentada, Vera ainda teve que entregar seus bens: carteira de identidade, R$ 150, moedas, celular, cartão do banco e o que utilizava para o transporte de ônibus. Antes de sair do local, o criminoso exigiu a senha do cartão. Assim que ele se afastou, a auxiliar de serviços gerais saiu correndo em direção à rua, até chegar ao comércio onde trabalha. O caso foi registrado na Delegacia da Mulher naquele mesmo dia e buscas chegaram a ser feitas no parque, mas nada foi encontrado.
Moradora de uma casa simples que construiu com anos de trabalho, Vera ainda tem dificuldade até mesmo para sair da cama. Diz que a única vontade é permanecer no quarto, deitada. Por vezes, não consegue nem mesmo cumprir as atividades do dia a dia.
— Quero me levantar, para fazer as coisas em casa. Mas tremo, sinto frio. Minha força parece que acabou. Mudou tudo. Era alegre, brincava com minhas filhas, saíamos no fim de semana. Parece que só vejo ele ali, falando as coisas, no meu ouvido. Não consigo sair fora do portão. Qualquer barulho, entro em pânico — relata.
Tomando remédios diariamente, sob acompanhamento psicológico, ela não se sente segura para retornar ao trabalho — por enquanto, está de atestado. Diz que teme reencontrar com o criminoso no trajeto. Por outro lado, sabe que precisa continuar sustentando a família. Espera que a identificação e prisão do autor traga alguma segurança de volta.
— Está difícil. Esse foi o primeiro Dia das Crianças no qual não pude abraçar minhas filhas. Elas dizem que vai passar. É uma coisa que destrói a gente. Estou sem chão. Tento pensar assim: foi um pesadelo. Mas não foi um pesadelo, foi real, é real. Só espero que ele seja preso, só isso — diz.
*O nome usado nesta reportagem é fictício
Investigação
Segundo a delegada Tatiana Bastos, da Delegacia da Mulher de Porto Alegre, a polícia está em busca de pistas para identificar o autor do crime. Os policiais conseguiram localizar imagens de câmeras, que estão sob análise, mas seguem a procura de outros vídeos ou relatos de testemunhas – até agora ninguém disse ter presenciado o crime. Também foi realizada coleta de material genético para possível comparação.
A polícia não tem no momento registro de mais casos de estupro no mesmo local, e a a delegada reforça a importância de que outras mulheres que possam ter sido vítimas, inclusive de uma tentativa de abordagem, registrem o caso.
— É muito importante denunciar, mesmo os casos não consumados. Muitas vezes é assim que cruzamos informações, obtemos uma imagem de câmera ou conseguimos comprovar a atuação em vários casos. A maioria desses criminosos já conhece a região, ataca sabendo como vai agir. Neste caso fica evidente isso, ele sabia para onde ir — explica.
Onde denunciar:
- Delegacia da Mulher de Porto Alegre - (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha.
- Telefone - (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172