Preso há mais de 10 meses por envolvimento no sequestro e morte do aviador Celso Tonon, 58 anos, um mecânico acusado pelo crime jura que é inocente. João Paulo Ferreira de Jesus, 30 anos, que consertava as aeronaves pertencentes a Tonon, foi indiciado, denunciado e virou réu no caso após ter interceptadas mensagens suas de WhatsApp, nas quais comenta que o piloto de avião seria morto e que iria “ajeitar a vida” com isso. Mesmo com esse forte indício e tendo vendido diversos pertences do aviador após o sumiço dele, Jesus jura que não é um assassino.
Jesus diz que foi pressionado por policiais civis a confessar que teria cometido o assassinato com objetivo de roubo – e, mesmo assim, não admitiu o crime. Diz também que o corpo de Tonon, supostamente executado, nunca apareceu; que não há filmagens ou testemunhos de que tenha cometido o latrocínio; e que jamais foi apreendida qualquer arma com ele. Preso há 10 meses, o mecânico de aviões pede que o Supremo Tribunal Federal (STF) o liberte.
Tonon, piloto e empresário do ramo da aviação, radicado em Sapiranga, possuía oito aviões abrigados num hangar que ele próprio construiu no antigo aeroclube do município, situado a três quilômetros da área central da cidade.
O aviador sumiu em 7 de junho de 2019 e uma série de investigações levou a Polícia Civil a concluir que ele foi sequestrado e morto por causa de dívidas. O suspeito de arquitetar o crime é João Paulo Ferreira de Jesus, um mecânico de 30 anos natural de Minas Gerais, que veio para o Rio Grande do Sul e morava com Tonon.
Separado da mulher e sem filhos, Tonon convidou Jesus para consertar suas aeronaves e também organizar centenas de peças (motores, carenagens, eletrônicos) que tinha depositadas no hangar. Os dois ficaram morando num trailer, junto à pista de pouso.
Foi em 8 de junho que vizinhos comunicaram à Polícia Civil sobre o sumiço do empresário e de alguns de seus bens: ele tinha três Mercedes-Benz de luxo e dois carros populares. Esses veículos e cinco aviões foram vendidos em pouco tempo e bem abaixo do preço de mercado – inclusive após o sumiço do aviador.
As investigações policiais mostraram que o mecânico Jesus fez anúncios comerciais nos quais ofertava as aeronaves, motores e peças diversas. Policiais civis de Sapiranga também ouviram um pessoa que disse ter sido sondada pelo mecânico para executar Tonon. O pagamento a ela viria com parte do patrimônio da vítima.
Os policiais ainda obtiveram mensagens de WhatsApp enviadas por Jesus a uma amiga. Numa delas, ele usa a imagem de um caixão e escreve:
"Sabe o que? Aquele pessoal vai fazer o véio (matar)... hoje. E eu não tô com dó nenhuma. Tô torcendo para isso acontecer, pq eu ajeito minha vida... Falaram que iriam vir hoje à noite. Só para eu não ficar perto".
Em mensagem para outra pessoa, o mecânico fala que Tonon morreu e dá outra versão.
"Então (Tonon) faleceu e eu fiquei responsável por tudo. Ou seja, herdei tudo aqui, pois ele não tinha filhos e a ex-mulher não liga. Ele tinha câncer. Sabe de uma coisa? A vida dá voltas... Uns tempos atrás eu fui chamado de pobre e muita coisa que você já sabe... De bens materiais, tô rico".
O interlocutor pergunta:
"Mas e os filhos?"
O suspeito responde:
"Ele não tinha herdeiros".
Perícias comprovaram que as mensagens saíram do celular de Jesus.
Conforme os policiais, no período coincidente com as mensagens começaram as vendas de aeronaves e motores de aviões. O inquérito informa que Jesus também negociou e vendeu carros, caminhões e até mesmo um ônibus (motorhome) que Tonon utilizava como residência. Para driblar a questão documental que cercava esses bens, o mecânico redigia notas de doação, dizendo que aquele veículo seria doado como sucata para determinada pessoa.
Jesus está preso desde julho. Primeiro, com prisão temporária decretada pela Justiça. Depois, com prisão preventiva. Ele está na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), em Charqueadas. Familiares de Jesus enviaram a GaúchaZH uma carta com 12 páginas, escrita por ele desde o presídio.
Jesus, no texto, narra toda a relação que teve com Tonon desde que se conheceram. Afirma que se aproximou do piloto e dono de hangar com o objetivo de consertar aviões. Que chegou a virar sócio do aviador em uma aeronave e na venda de peças, sob a promessa de ajudar a limpar o hangar e organizar o local.
O mecânico confirma que a mensagem de WhatsApp é verdadeira, mas seria um desabafo com uma amiga, revelando que alguns credores planejavam executar Tonon. Ele afiança que nada teve a ver com o crime e foi apontado como envolvido por uma testemunha, essa sim, com interesse nos aviões da vítima. Jesus, por fim, assegura que os policiais o bateram para que admitisse o latrocínio, mas, mesmo assim, ele não confessou.
O advogado de Jesus, Alex Menezes, relata não poder confirmar que seu cliente foi surrado, mas considera absurda a manutenção dele na prisão.
— Não há imagem do desaparecimento do dono do hangar, nem vestígio de violência. Não existem provas materiais e ou mesmo testemunhais do latrocínio, muito menos contra o Jesus. A verdade é que o senhor Tonon pode reaparecer a qualquer momento, porque sequer há um cadáver.
Polícia enumera provas contra o acusado
GaúchaZH ouviu o chefe de investigações da Delegacia de Sapiranga, inspetor Carlos Medeiros, que prendeu Jesus e que é acusado de pressioná-lo a assumir o crime. Medeiros alega que grande parte dos presos costuma dizer que foi torturado, numa tentativa de manchar a imagem de quem os investigou.
— A verdade é que os exames de corpo de delito não mostram qualquer violência cometida contra o preso Jesus. Em contrapartida, as provas contra esse mecânico são contundentes: ele mandou duas mensagens se referindo à morte do Tonon, quando ninguém ainda sabia que o aviador estava desaparecido. Pior que isso, o Jesus passou a vender os aviões e carros do desaparecido e forjou notas de doação dos bens a ele mesmo, na intenção de driblar a questão documental. Temos ainda testemunho de pessoas que foram sondadas pelo Jesus para matar o Tonon — enumera Medeiros.
O policial ressalta que o defensor de Jesus tentou quatro recursos processuais para libertá-lo, todos negados: perante o juiz local, no Tribunal de Justiça, no Superior Tribunal de Justiça e no STF.
O último a negar a libertação de Jesus foi o ministro Celso de Mello, do STF. Agora o caso será examinado por uma das turmas daquele tribunal.