Em dezembro, após se descobrirem vítimas do mesmo homem, seis mulheres se uniram com dois propósitos: acolher uma a outra e buscar a prisão do agressor. Elas se conheceram após a psicóloga Nádia Krubskaya Bisch, 36 anos, divulgar nas redes sociais a tentativa de feminicídio que havia sofrido. Por um grupo de WhatsApp, passaram a trocar mensagens. Em fevereiro, Thiago Guedes Pacheco, 39 anos, foi capturado pela polícia. Agora elas compartilham outra meta: transformar os traumas em combate à violência doméstica. Com esse intuito, lançam uma campanha neste fim de semana em Porto Alegre.
Decididas a não descansarem até que o ex fosse encontrado pela polícia, no início elas deram ao grupo o nome de "A caçada". Quando os laços se estreitaram, pensaram que seria melhor chamá-lo de outra forma.
Assim nascia o título "Juntas por Todas", usado também na campanha que será oficialmente lançada neste sábado em um coquetel para convidados, em restaurante no Centro Histórico.
— No período que eu estava acamada (por conta das agressões), elas falavam comigo o tempo inteiro. Isso foi me dando colo. A gente se sente muito sozinha. O grupo começou só para acharmos ele. Mas aos poucos, isso foi se transformando em apoio. É isso que queremos levar para outras mulheres — conta Nádia.
Segundos após completar a frase, a psicóloga abraçou a nutricionista Michelli Furasté, 33 anos, que viajou de Brasília até Porto Alegre para o lançamento do projeto. Em razão da distância, era a primeira vez que as duas se encontravam. Além delas, também integram o grupo a professora Manoela Etielle Gomes Pinto, 33 anos, a funcionária pública Karine Ribeiro, 37 anos, a assistente social Juliana Dreissig, 38 anos, e a fotógrafa Luciana Hoffmann, 37 anos, que mora em Barcelona, na Espanha.
Quando rompe, ele fica mais agressivo, persegue, não aceita. Se ela volta, retorna para aquele ciclo da violência que é a fase da lua de mel, sem brigas. O mesmo acontece quando deixa de usar aquela roupa ou a maquiagem para não criar atrito. Isso é difícil para os outros entenderem. Às vezes ela só quer paz. Nenhuma mulher está numa relação porque gosta de apanhar
NÁDIA KRUBSKAYA BISCH
Psicóloga e vítima de violência
— Para mim é o verdadeiro significado de ressignificar a dor em amor. É uma coisa muito traumática, mas não é uma situação que me pare. Pelo contrário, me dá mais força de ajudar quem está passando por essa situação. Há nove anos, eu não tinha ninguém. Hoje posso olhar para uma mulher que está na mesma situação que eu estive e garantir que vai passar. Está doendo, mas ela vai ficar bem — diz Michelli.
A proposta do "Juntas por Todas" é agregar pessoas na luta contra a violência de gênero, além de promover o diálogo, a reflexão, divulgação de informação e o acolhimento. A primeira ação será uma roda de conversa sobre relacionamento abusivo, na próxima sexta-feira (confira abaixo). Também será criado grupo de acolhimento com encontros a cada 15 dias para mulheres. A iniciativa prevê ainda orientação jurídico e atendimentos individualizados, grupos de estudo e capacitação para profissionais sobre o atendimento de vítimas.
— As mulheres, quando estão nessa situação, não sabem o que fazer, onde buscar ajuda, o que levar para a delegacia. Têm muitas dúvidas. O próprio atendimento na área da saúde, não é algo simples, exige conhecimento para ajudar essas mulheres a saírem dessa relação. Principalmente na periferia, é o único local que muitas mulheres têm para procurar ajuda. Garantir que o profissional que atenda a primeira porta já faça um acolhimento e orientação é fundamental — avalia Nádia.
Apoio
Quando o grupo foi criado, algumas das mulheres evitavam se identificar, por medo dos julgamentos. Com o tempo, encontraram força uma na outra e isso foi mudando.
Uma mulher querendo sair, com medo, mas tendo que se submeter por medo. É igual quando bandido coloca a arma na tua cabeça e diz: passa o celular. E tu passa. Ele estava com a faca no meu rosto. E o que eu fiz? Fiquei quieta. Mas a sociedade é machista. Quando é uma violência doméstica, é porque a mulher permitiu
MICHELLI FURASTÉ
Nutricionista e vítima de violência
O grupo, que por muito tempo escondeu as agressões até de pessoas próximas, hoje se guia por uma frase: "Não vamos nos calar nunca mais". É o caso de Michelli, que no início havia escolhido manter a identidade preservada.
— Afinal você é uma menina instruída, uma mulher independente, forte, bem-educada, criada numa boa família. É o pensamento das pessoas: "Voltou porque gosta de apanhar". Eu tentei sair da relação algumas vezes, mas voltava com ele, pelo medo. Não tinha apoio, não tinha segurança. Tanto que precisei fugir. Eu poderia ter deixado isso no passado. Mas o grupo me deu força e eu resolvi me unir a elas nessa luta — diz a nutricionista, que deixou o Estado para se livrar das ameaças.
— A mulher não fala por vergonha. É muito dolorido ter que assumir que está vivendo isso. Dá medo do julgamento. Quando divide, vê que outras pessoas passam por isso também. Os nossos discursos são muito semelhantes. E se nós conversarmos com qualquer outra, que não seja vítima do mesmo agressor, também será semelhante. Isso dá a força para levantar. A louca não sou eu, não estou só — reforça Nádia.
É essa mensagem que as seis mulheres estão dispostas a espalhar, como forma de que mais vítimas consigam identificar um relacionamento abusivo e se encorajem a buscar ajuda.
— Quem tem que ter vergonha é ele (o agressor) — completam as duas.
Pacheco foi indiciado pela Polícia Civil ainda antes de ser preso, em fevereiro. O inquérito da tentativa de feminicídio foi remetido ao Judiciário pela equipe da Delegacia da Mulher. Procurado, o Tribunal de Justiça não informou em qual fase está o processo até o fechamento desta reportagem.
O projeto
Roda de conversa
- Onde: Pensare Centro de Estudos e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental, na Avenida Getúlio Vargas, 901, no bairro Menino Deus
- Quando: dia 20 de março, às 19h
- Alvo: aberto para todos os públicos
Grupo de acolhimento, atendimento individual e orientação jurídica
- Alvo: mulheres que estejam em relacionamento abusivo ou que tenham saído dele
- Contato: pelo Instagram Lótus Núcleo
Contraponto
A reportagem fez contato com a defesa de Thiago Guedes Pacheco, 39 anos, que segue preso, mas não obteve retorno até a publicação.
*Colaborou Bruna Viesseri