A Secretaria da Segurança Pública (SSP) admitiu nesta quarta-feira (16) que errou na divulgação das estatísticas de homicídios dolosos ocorridos no Rio Grande do Sul em 2016. A correção dos dados havia sido questionada na terça-feira (15), na tribuna da Assembleia Legislativa, pela deputada estadual Stela Farias (PT).
A deputada comparou os dados que constam em dois levantamentos distintos da SSP e afirmou que o governo omitiu, no balanço oficial do ano passado, 570 ocorrências de assassinatos. Questionada por ZH ainda na terça-feira, a SSP emitiu nota às 15h desta quarta-feira admitindo o erro – não no balanço oficial, mas na planilha usada pela deputada para comparação.
A diferença, segundo o governo, se deve ao fato de que a divulgação das estatísticas criminais do Estado (disponível no site da SSP) é regida por três leis distintas: 12.681/12 (Lei do Sinesp), 1.343/99 (Lei Postal) e 12.954/08 (Lei Stela). De acordo com a SSP, "cada lei possui redação, periodicidade, metodologia e recortes territoriais próprios. Dessa forma, o trabalho realizado pela secretaria é elaborado de maneira independente em cada uma das divulgações". O balanço oficial da Secretaria da Segurança Pública toma como base os dados coletados a partir da metodologia da Lei do Sinesp, e é divulgado trimestralmente. Já os dados relativos às leis Stela e Postal têm divulgação semestral, também no site da SSP.
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Por padrão, a secretaria usa como parâmetro em todos os levantamentos o número de ocorrências (e não de vítimas) de homicídio doloso. Nos números oficiais (Lei do Sinesp), divulgados em janeiro deste ano, a secretaria contabiliza 2.608 ocorrências de homicídios dolosos em 2016 em todo o Estado, além de 19 ocorrências de homicídios dolosos de trânsito. Já as planilhas alimentadas com a metodologia das leis Stela e Postal traziam números distintos: 3.197 ocorrências, entre assassinatos e mortes no trânsito (1.287 no primeiro semestre e 1.910 no segundo semestre).
Ao discursar na Assembleia na terça-feira, a deputada petista afirmou que os números revelam uma manipulação "grosseira". "Fomos surpreendidas ao consultar os mesmos números de 2016, das Leis Postal e Stela, disponíveis no site da secretaria, e verificar que a soma do primeiro e do segundo semestres do ano passado apontam para 3.197 homicídios. São 570 homicídios a menos divulgados pelo secretário Schirmer", disse a deputada, em nota oficial publicada no site do PT.
A SSP, em nota, afirma que "imediatamente após o relato da deputada Stela" submeteu os dados a um "criterioso processo de auditoria" e que constatou erro na planilha que usa a metodologia das leis Stela e Postal, relativa aos dados de violência do segundo semestre de 2016. "Ao invés de ser divulgado o número de ocorrências (padrão nacional e estadual), foi publicado o número de vítimas. Isto fez com que houvesse uma diferença nos índices apresentados", justifica o governo. Com isso, em vez de 1.910, são 1.398 homicídios consumados no segundo semestre e, consequentemente, a estatística anual cai de 3.197 para 2.685.
A secretaria entende que a diferença entre o somatório corrigido das planilhas das leis Stela e Postal (2.685) e o que consta no balanço oficial (2.627, somando-se os dois tipos de ocorrências) está dentro da média, já que os dois levantamentos usam metodologias distintas.
"A SSP reconhece o equívoco na extração dos dados e se compromete a trabalhar com ainda mais afinco no sentido de evitar que este episódio se repita. A prova do comprometimento da pasta é a reestruturação do Observatório da Segurança Pública, braço da secretaria responsável por todo o processo de divulgação das estatísticas da criminalidade no RS", diz o texto oficial.
Diferenças no total de vítimas de homicídio
A nota da SSP, no entanto, não explica a discrepância dos dados em relação ao número de vítimas de homicídio no Estado. Apesar de usar como parâmetro o total de ocorrências, o balanço anual do governo contabiliza o total de vítimas em observação à parte: "Foram 2.608 ocorrências de homicídio com 2.809 vítimas cadastradas". A secretaria, porém, não expõe o número de vítimas com recortes por município, mês ou semestre, nem divulga o total de mortos no trânsito. Partindo-se do princípio de que cada uma das 19 ocorrências de homicídio doloso de trânsito deixou pelo menos um morto, chega-se a um total de, no mínimo, 2.828 mortes no ano passado.
Pela justificativa apresentada pela SSP, somente no segundo semestre do ano passado 1.910 pessoas perderam a vida por assassinatos ou crimes de trânsito. Estendendo à planilha o mesmo princípio de que cada uma das 1.287 ocorrências do primeiro semestre resultaram em pelo menos uma morte, chega-se a, no mínimo, 3.197 mortes – 369 (13%) a mais do que o contabilizado nos dados oficiais.
ZH voltou a questionar a secretaria sobre a diferença nos balanços. Conforme a SSP, o número de 1.910 vítimas de homicídios, informado na tabela do segundo semestre de 2016 (leis Stela e Postal), não pode ser levado em conta em cálculos atuais, pois historicamente o estudo nunca apresentou dados de números de pessoas, mas sim de ocorrências. Além disso, a secretaria argumenta que os dados mudam conforme a data de extração.
Deputada diz que explicação da SSP é confusa e mostra "despreparo"
A deputada Stela Farias (PT) disse que a justificativa da SSP, admitindo o erro nos dados, é importante, mas demonstra, no mínimo, "despreparo" da secretaria para responder questões sobre os números de violência no Estado. A parlamentar salientou que a nota divulgada pelo governo é confusa e não explica a diferença apontada no cruzamento dos dois balanços. Stela destacou que vai levar o caso para averiguação do Ministério Público de Contas do Estado (MPC) e do Ministério Público do RS (MP-RS):
– A gente vai pedir que seja feita uma averiguação (da diferença nos dados), eu diria assim, mais tecnicamente isenta, porque sou uma deputada líder de uma bancada de oposição. É muito importante que um órgão de fiscalização e de controle sobre os atos de cada órgão, no caso, agora, do Estado e da Secretaria de Segurança Pública, possa fazer essa averiguação e dizer o que está acontecendo exatamente – disse.
Confira abaixo a íntegra da nota oficial da Secretaria da Segurança Pública:
"NOTA DE ESCLARECIMENTO
Com relação às afirmações da deputada estadual Stela Farias, feitas na última segunda-feira (16), na tribuna da Assembleia Legislativa, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) esclarece:
A SSP obedece rigorosamente a toda legislação de divulgação de indicadores da criminalidade, sejam as leis de âmbito federal ou estadual;
Atualmente, três leis norteiam o trabalho das estatísticas criminais feito na SSP. São elas: Lei 11.343/99 (Lei Postal), Lei 12.954/08 (Lei Stela) e Lei 12.681/12 (Lei do Sinesp);
Cada lei possui redação, periodicidade, metodologia e recortes territoriais próprios. Dessa forma, o trabalho realizado pela secretaria é elaborado de maneira independente em cada uma das divulgações;
Os indicadores criminais relacionados à Lei 12.681/12, de âmbito federal, são os balizadores das políticas nacionais para a Segurança Pública, servindo como base para publicações como o Anuário Brasileiro de Segurança Pública;
Esses indicadores voltaram a ser divulgados em caráter trimestral desde o início da atual gestão da SSP. Também foi promovida e devidamente divulgada a ampliação do rol de indicadores criminais, passando de 10 para 17 tipos de crimes publicados. Uma ação que visa dar mais transparência ao processo e prestar melhores serviços à sociedade gaúcha;
Como a própria parlamentar afirma em nota oficial, as leis 11.343/99 e 12.954/08 foram elaboradas com 'a intenção de produzir informações fidedignas, para servir de base ao estabelecimento de políticas públicas mais eficientes. As Leis estabelecem, também, prazos legais para que a Secretaria da Segurança Pública divulgue os números';
Ressaltamos que a divulgação de ambas possui periodicidade semestral. Todo conteúdo se encontra publicado, na íntegra e respeitando os prazos, no site oficial da SSP;
Imediatamente após o relato da deputada Stela, deu-se início a um criterioso processo de auditoria. Constatou-se que os dados relacionados ao crime 'homicídio' (tipificação específica das leis 11.343/99 e 12.954/08 que engloba, também, homicídios dolosos de trânsito) foram publicados de forma errônea: ao invés de ser divulgado o número de ocorrências (padrão nacional e estadual), foi publicado o número de vítimas. Isto fez com que houvesse uma diferença nos índices apresentados;
Os dados foram corrigidos, conforme determinam as Leis Postal e Stela: são 1.398 homicídios consumados no segundo semestre 2016 no Rio Grande do Sul;
A SSP reconhece o equívoco na extração dos dados e se compromete a trabalhar com ainda mais afinco no sentido de evitar que este episódio se repita. A prova do comprometimento da pasta é a reestruturação do Observatório da Segurança Pública, braço da secretaria responsável por todo o processo de divulgação das estatísticas da criminalidade no RS."