Na tarde desta sexta-feira, a Polícia Civil identificou o terceiro segurança suspeito de agredir um morador de rua na véspera do Ano-Novo em frente ao Zaffari da Avenida Cristóvão Colombo, em Porto Alegre. Os outros dois homens responsáveis pelo crime já haviam sido reconhecidos, e o trio irá depor na tarde da próxima segunda-feira.
Demitidos após o vídeo do espancamento se tornar público, os vigilantes eram funcionários da empresa Securi Clean, de Santa Maria – um deles tem antecedentes criminais por tráfico de drogas, ameaça e lesão corporal. Na tarde desta sexta-feira, o responsável pela área operacional da companhia, Bráulio Freitas, veio de Santa Maria para prestar esclarecimentos à polícia. Ele disse que a empresa não compactua com a atitude dos funcionários e alegou que os vigilantes agiram por conta própria.
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Segundo o colaborador, a companhia, presente no mercado há 16 anos, "tem como atividade fim a prestação de serviços terceirizados como os de vigia, limpeza, atendente e zeladoria, por exemplo". Em Porto Alegre, o único local atendido pela Securi Clean era a igreja Assembleia de Deus, localizada na rua General Neto, nas proximidades do supermercado onde houve o espancamento. O contrato de serviço entre ambas as partes foi rescindido.
Freitas também explicou que os trabalhadores envolvidos no caso se enquadram na categoria de vigia:
– Os funcionários eram os responsáveis por cuidar dos carros dos frequentantes da igreja. Eles também acompanhavam os fiéis do carro até o culto para inibir alguma ação violenta contra eles e tornar o local mais seguro. Existiam relatos de muitos crimes na região – disse.
Representante de empresa rebate sindicato
Nesta sexta-feira, o Sindicato dos Vigilantes do Estado (Sindivigilantes do Sul) manifestou-se sobre o caso. De acordo com a entidade, a Securi Clean não está registrada em seu cadastro e nem junto ao Sindicato das Empresas de Segurança Privada (Sindesp), o que seria uma exigência legal para companhias do ramo.
– Em todo o Rio Grande do Sul, empresas que entram no ramo são obrigadas a estarem no nosso cadastro e no do Sindesp, juntamente com o da Polícia Federal, que libera o alvará. No nosso sistema, essa empresa não existe – afirmou o presidente do Sindivigilantes do Sul, Loreni dos Santos Dias.
Em resposta ao Sindivigilantes do Sul, Freitas alegou que a Securi Clean não está registrada na entidade e nem junto ao Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Estado do Rio Grande do Sul (Sindesp) porque a atividade desempenhada pelos seus colaboradores é de vigia, e não de vigilante. Segundo o gerente, a empresa santa-mariense responde ao Grupamento de Supervisão de Vigilância e Guardas (GSVG) – da Brigada Militar (BM) – e é registrada no Sindicato dos Trabalhadores em Serviços Terceirizados (Sinteps), de Santa Maria.
O gerente administrativo destacou que os três funcionários envolvidos no caso de agressão podiam portar tonfa – espécie de cassetete usado em confrontos corpo a corpo –, arma utilizada no ataque à vítima.
– O GSVG permite o uso de tonfa por parte dos vigias. A legislação não impede o uso desse equipamento.
Procurado por Zero Hora, o GSVG afirmou que não existe legislação que proíba vigias de utilizar tonfas. Segundo o grupamento, o que pode gerar punição para as empresas é o uso indevido do armamento ou uniformes semelhantes aos utilizados pelas forças de segurança pública.
Freitas não soube precisar se, no horário das agressões, os funcionários estavam de serviço ou em folga. A jornada de trabalho dos investigados era de oito horas, entre 17h e 23h e de domingo a domingo, dividida em escalas. As imagens das câmeras de segurança mostram a ação acontecendo poucos minutos antes das 17h do dia 31 de dezembro de 2015. O gerente da Securi Clean também explicou que a empresa não sabe a motivação do ataque promovido pelos agressores e que isso deverá ser esclarecido pela polícia. Freitas disse que a empresa busca usar o caso como uma lição para evitar atitudes dessa natureza:
– Vamos fazer uma reciclagem, utilizar esse caso como um exemplo a não ser seguido. Isso é um alerta, porque a empresa tem 16 anos de atuação e não tem nenhum processo civil. Nunca respondeu por um caso parecido.
Investigações
O delegado Hilton Müller, titular da 3ª DP, que investiga o caso, afirmou que, até o momento, foram ouvidos um pastor da igreja, o morador de rua agredido e dois funcionários da empresa. Na segunda-feira, os três suspeitos já foram identificados pela polícia e serão ouvidos na segunda-feira. O delegado não quis liberar o nome dos investigados "para não causar represálias".
– Falta apenas o depoimento dos suspeitos para esclarecer algumas coisas, saber se eles haviam sido orientados ou não a agredir o rapaz e por que o indicavam como autor de um furto ocorrido na igreja – disse o delegado.
Segundo Rodrigues, a responsabilidade pelo crime deve concentrar-se nos três vigilantes caso se comprove que eles agiram exclusivamente por conta própria. Os seguranças haviam sido contratados pela Assembleia de Deus, igreja localizada a 200 metros do local do crime, para trabalhar em horários de culto, das 17h às 22h. Do prédio da instituição religiosa, um corrimão havia sido furtado uma semana antes da agressão, e a suspeita recaía sobre o morador de rua.
Responsável pela Assembleia de Deus, o pastor Claudemir Vasconcellos também esteve nesta quinta-feira na 3ª Delegacia de Polícia (DP) da Capital. Ele confirmou que os seguranças prestavam serviço para a instituição, mas negou qualquer responsabilidade sobre a atitude dos homens.
A Assembleia de Deus informou que mantinha contrato com a empresa há cerca de um ano, o qual rescindiu na manhã de quinta-feira, logo que o caso de agressão repercutiu nas redes sociais.
– A igreja está escandalizada. Estamos há 93 anos em Porto Alegre, fazemos obras sociais e isso foi algo muito grave, que não poderia ter ocorrido – disse Jurandi Pazzim, advogado da igreja, à Rádio Gaúcha.
* Colaborou Anderson Aires