Na última sexta-feira, não teve jeito. A crisma dos jovens na Paróquia São José, um dos principais eventos sociais de Pinhal Grande, município de 4,5 mil habitantes na Região Central, precisou ser adiada. Dois dias depois, o almoço da paróquia, que geralmente reúne cerca de 500 pessoas para comer, dançar e jogar bingo, não teve mais de 150 presentes. Às 14h, o padre Pablo Zanini, que há oito anos comanda a paróquia, fechou o salão.
– A realidade é que a comunidade está em pânico. Quem mora nas regiões mais afastadas da sede do município, não põe o pé para fora de casa por medo de que aconteça alguma coisa. Enquanto não prenderem este homem, nossa vida não voltará ao normal – lamenta o padre.
Ele se refere ao crime que chocou a região no dia 29 de novembro. O agricultor Ariosto da Rosa, 41 anos, executou a enteada, de 16 anos, e, em seguida, um menino de 10 anos e outro adolescente de 17, enquanto aguardavam o ônibus escolar na localidade de Rincão dos Basílios.
A chacina foi completada na sequência, com cinco disparos que vitimaram um vizinho de 60 anos enquanto ele alimentava os porcos na pequena propriedade rural. Desde então, Ariosto embrenhou-se nas matas e seu paradeiro é mistério.
Todos temem que reapareça e cometa novos crimes.
– É compreensível o medo das pessoas. Este ano tivemos cinco homicídios no município. Quatro foram cometidos por ele – avalia o delegado José dos Santos Araújo.
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A cidade faz parte da Quarta Colônia da Imigração Italiana e não está acostumada à violência. Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública, em todo o primeiro semestre, foi registrado apenas um roubo. É o equivalente a uma hora no centro de Porto Alegre.
Escolas vazias e comércio prejudicado
A consequência do medo na zona rural se vê em praticamente toda a rotina do município. A diretora da escola Rui Barbosa – a única estadual de Pinhal Grande, e que atende até o Ensino Médio –, Cleoni Batistella, insiste que desde segunda-feira a situação está se normalizando. Mas não é o que estudantes demonstram.
– Hoje (quarta-feira) havia só dois alunos na minha turma. Está todo mundo com medo de sair de casa. Eu mesmo, todos os dias espero o escolar às 6h30min e dá medo – diz o estudante do 9º ano Bruno Poloniato, colega de uma das vítimas do assassino.
Alguns alunos não comparecem pela insegurança dos pais. Outros, porque boa parte dos motoristas de transporte está evitando transitar nas estradas vicinais.
– O que tenho é fé em Deus. Mas a gente sempre fica preocupado se esse homem aparece no meio da estrada e ataca o cara – diz o motorista Gilmar Samavila, 42 anos, que manteve o serviço.
A alguns metros dali fica a principal escola de educação infantil do município. Diariamente, 101 crianças frequentam o local. Até quarta-feira, só três apareceram. No Rincão dos Basílios, o quadro ainda é pior. Desde o dia do crime, a escola que recebe em torno de 30 alunos está fechada.
A praça municipal, geralmente ponto de reunião dos moradores, nos finais de tarde ou na manhã, agora está deserta.
– São poucos os que param aqui. E quem para só tem um assunto: o medo de novo crime – conta Geloci Machado, 45 anos.
Ele tem uma propriedade rural, mas desde que a chacina aconteceu, não voltou mais lá. Nas principais ruas do município também deixou de se ver grupos conversando. O reflexo é sentido no comércio. No principal restaurante, junto à praça, a venda de almoços se reduziu à metade. Sem consumidores, estoques ficam parados.
Suspeito percorreria ruas à noite
Se na região metropolitana de Porto Alegre o que mais prospera com o medo coletivo são boatos de mais violência pelas redes sociais, em Pinhal Grande o assunto se espalha no boca a boca.
Depois que a polícia confirmou ter registrado um último contato telefônico do suspeito com familiares na última sexta-feira, a história cresceu. Há quem diga que Ariosto teria comentado para a companheira que "só mata quando está se sentindo muito feliz".
Outros afirmam que todas as noites o homem percorre as ruas centrais do município. Ou, ainda, que vigia casas próximas das áreas de mata fechada para invadir os locais.
É que, antes deste crime, Ariosto mantinha fama de violento na comunidade. Em 2003, insatisfeito com uma jovem que negou-se a ter um relacionamento com ele, invadiu um ônibus escolar e atirou contra o rosto dela. A vítima ficou cega de um olho. De acordo com a polícia, ele já teria tentado matar pelo menos outras duas pessoas nos últimos anos.
Na localidade de Rincão dos Basílios, onde Ariosto é apontado como autor de três assassinatos, é como se o tempo estivesse parado. A maior parte das casas ao longo da estrada de chão batido está fechada.
Onde há gente, a maioria apenas espia quem está passando na rua. Em uma dessas casas, vive o agricultor Roque Padilha, 76 anos. Sentado à sombra de uma árvore na tarde de quarta-feira, ouvia o rádio em volume alto. O assunto do comunicador local não poderia ser outro.
– A gente fica acompanhando e se encerrando em casa. Sempre foi um lugar tranquilo, mas aí aconteceu uma coisa dessas – disse, atrás da grade do portão cadeado.
Na terça-feira, a prefeitura decretou situação de emergência. O Executivo aguarda a homologação pelo governo estadual.
Na mata fechada, buscas complicadas
Quem depara com o tamanho da população e baixíssimos índices de criminalidade não entende como um criminoso é capaz de dar tanta dor de cabeça às autoridades. É que buscas na região não são fáceis.
Comparando com Alvorada, o município mais violento do Estado, Pinhal Grande tem população 46 vezes menor. Em compensação, tem território sete vezes maior. Para cobrir as buscas na área de vegetação fechada, 25 policiais militares reforçam a ação. Eles estão, desde o dia do crime, em uma espécie de acampamento e diariamente partem para a zona rural de Pinhal Grande.
– A cada dia, tentamos inovar na forma de fazer as buscas. Mas estamos lidando com um criminoso que conhece muito a região. É possível que, de fato, não tenha saído daqui ainda – afirma o delegado José dos Santos Araújo.
Na noite da última sexta, Ariosto teria reaparecido. Foi até a casa de familiares de uma das vítimas e fez ameaças. Na fuga, quase invadiu uma casa, exigindo que lhe dessem alimentos. Os PMs chegaram a vê-lo e um disparo foi feito.
Mas o suspeito escapou. Segundo a Brigada, Ariosto teria uma espingarda calibre 12, uma pistola .380 e um revólver calibre 38. Um dia depois, a casa de Ariosto foi incendiada.