O tratamento do Estado para com internos do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) equivale à tortura, afirma o juiz Luciano André Losekann, da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas (Vepma) de Porto Alegre.
Responsável no Judiciário gaúcho pela fiscalização da unidade, o magistrado proibiu a entrada de novas pessoas no IPF, após constatar que pacientes cumprindo medida de segurança – com transtornos mentais e psicóticos– , trabalhando no local como cozinheiros e faxineiros por falta de pagamento a prestadoras de serviços. O IPF é o único manicômio judiciário no Estado onde estão recolhidos 246 pessoas – já sentenciadas ou aguardando julgamento – envolvidas em crimes, mas que não podem ser recolhidas em presídios por serem portadoras de distúrbios neurológicos.
– O que se tem no IPF é, sim, tortura, praticada sob as vistas grossas das autoridades mais elevadas desta Unidade da Federação, que alertadas há anos sobre a situação do IPF nada fazem ou, quando menos, fazem ouvidos moucos ao triste quadro que se repete – afirma Losekann em seu despacho.
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O juiz classificou a situação de vergonhosa e estarrecedora porque os internos não tem capacidade e discernimento para as tarefas de limpeza, quanto mais para preparar alimentos, usando facas. Em uma inspeção realizada em 27 de junho, o magistrado encontrou ambientes sujos e fétidos (com exceção da unidade feminina). Roupas sujas, lixo, urina e excrementos amontoados em cantos de banheiros, e o setor de triagem, pintado meses atrás, manchas de fezes nas paredes.
– O IPF é verdadeiro depósito de pessoas com transtornos mentais, e o Estado, literalmente, precisamente por seu governador e o secretário de Segurança Pública, dão de ombros para a situação que ali se tem – critica Losekann.
Em junho de 2015, o juiz já tinha interditada parcialmente o IPF, exatamente pelo mesmo motivo. A situação foi contornada, com a contratação de prestadores de serviços, mas a partir de abril deste ano, o problema voltou a se repetir.
Losekann determinou que o governador, José Ivo Sartori, e o secretário da Segurança Pública, Wantuir Jacini, sejam pessoalmente intimados da decisão para que em três dias (a contar de ontem) providenciem a contratação emergencial de empresas de limpeza e de alimentação para o IPF, enquanto não for aberta uma licitação, sob pena de responsabilização civil e criminal.
O juiz também remeteu cópia do seu despacho à Procuradoria-geral de Justiça para análise e eventual oferecimento de denúncia por crime de tortura contra Sartori e Jacini. Na semana passada, ao anunciar um pacote para a Segurança, Sartori mencionou que as instalações do IPF serão reformados por meio de um convênio com o Judiciário. Os R$ 4,3 milhões para a obra são oriundos de verbas de penas alternativas administradas por Losekann.
CONTRAPONTOS
Por meio de nota, divulgada na noite desta terça-feira, a Susepe informou que foi aberto processo licitatório para a contratação de empresas de limpeza e higiene nas instalações do local e negou qualquer tratamento equivalente à tortura aos internos do instituto. Confira o comunicado:
A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) informa que foi aberto processo licitatório para contratação de empresas de limpeza e higiene nas instalações do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF).
Enquanto os trâmites da licitação se encontram em andamento, será feita a contratação emergencial, conforme determina a interdição encaminhada à Susepe. Neste momento, os estabelecimentos prisionais deverão buscar atendimento na rede municipal de saúde. Tão logo se efetue a contratação, deverá ser levantada a interdição, voltando o IPF a normalizar os atendimentos específicos.
A Susepe nega qualquer tratamento equivalente à tortura aos internos do Instituto. Não é razoável qualquer pessoalização política pela atual situação. Reconhece os problemas estruturais históricos da instituição, os quais não começaram agora e que estão sendo enfrentados cotidianamente.