Priscila Nunes Monteiro aguardava o retorno do filho quando uma conhecida chegou ao portão da casa, em Alvorada, com a notícia:
- O Kelvin levou um tiro.
Atingido no peito por um disparo de espingarda calibre 12, o garoto de 11 anos morreu no último domingo, quando vendia pastéis, enroladinhos e pizzas preparados pela mãe no bairro Umbu. Justiça decretou a prisão preventiva de dois traficantes e acredita que o estudante, sem ligação com drogas, foi assassinado por desagradar a um dos suspeitos com algum comentário.
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Kelvin cursava a 4ª série do Ensino Fundamental no turno da manhã e, à tarde e nos finais de semana, ajudava no negócio informal. A cada R$ 10 comercializados, embolsava R$ 2, geralmente investidos em salgadinhos e biscoitos. No domingo, saiu por volta das 10h com os quitutes acomodados em um pote de plástico que costumava reabastecer mais de uma vez no mesmo dia.
- Não vai para aqueles lados - advertiu Priscila ao se despedir do primogênito.
A dona de casa se referia à região onde Kelvin seria executado pouco depois. Atraído a um casebre da Rua Beira-Mar, o garoto foi baleado e jogado à margem de um arroio. Alertada, Priscila correu ao Hospital de Alvorada, onde lhe comunicaram o óbito. Recebeu ajuda do pastor da igreja que frequenta quatro vezes por semana para o funeral que ela e o marido, pintor, não puderam custear.
Kelvin, 11 anos
Depois de apenas três meses como quituteira, não pensa em retomar a atividade sem o parceiro.
- Deus nos prepara para receber um filho durante nove meses, mas não nos prepara para levá-lo embora - afirma a mãe do menino.
Kelvin queria ser biólogo. Divertia-se pescando, montando a cavalo, catando grilos e minhocas no pátio. No dia seguinte ao crime, a direção da Escola Municipal Professora Guilhermina do Amaral, onde ele repetia o ano, suspendeu as atividades. Ao deparar com a notícia, estudantes levados pelos pais deram meia-volta, e o serviço de transporte coletivo foi antecipado. Jurema Silva, vice-diretora, mostrava-se incrédula diante das perguntas das crianças.
- Profe, é verdade que mataram o Kelvin? - questionava um aluno.
Considerado um aluno inteligente, Kelvin perdeu muitas aulas no final de 2013 e não venceu as últimas provas. A mãe, com fortes crises de asma, alega ter precisado de auxílio para tomar conta dos três filhos menores.
Outro empecilho aos estudos estava na aparência: o garoto se incomodava por ser um dos mais baixos da turma. Quem o acompanhava de perto notava um esforço para compensar, com as atitudes, a altura de 1m34cm.
- Ele não gostava de demonstrar fragilidade, tirava as caras com os outros. Um menino bom, ouvia a gente, mas era invocadinho - recorda a orientadora educacional Ana Arlete dos Santos.
Pedagoga lamenta violência na cidade
Rute Leonor Sena, coordenadora pedagógica da escola que Kelvin estudava, lamenta a influência nociva da vizinhança violenta, onde é intenso o tráfico de drogas, na formação dos jovens.
- Nas quatro horas em que ficava aqui, ele estava protegido, mas, nas outras 20, as vivências eram muitas. Ele mostrava isso na fala, na postura, nos trejeitos, mas ainda sorria. A cidade tem esse estigma da violência, e na periferia é pior. O que a gente faz aqui é muito pouco - atesta Rute.
Segura de que o filho não andava em más companhias, Priscila tentou se resguardar, durante a semana, do vaivém de hipóteses para o crime aventadas entre os moradores. Procura se conformar desejando justiça para que outras mães sejam poupadas da mesma dor:
- Não sei no que acredito. Tenho até medo de escutar. Prefiro não saber. Só sei que levaram o meu filho.
Um suspeito está morto e o outro é preso
Um dos investigados pelo assassinato do menino Kelvin, 11 anos, em Alvorada, ocorrido no domingo, foi preso na madrugada deste sábado. Eduardo Silveira de Freitas, 18 anos, também suspeito de envolvimento na morte, se entregou à polícia e admitiu que teria presenciado a execução do menino.
O delegado vai indiciar o preso por homicídio qualificado, pois há outras testemuinhas que dizem que Dudu teria participado do crime. Na próxima semana, deve ser concluído o inquérito. Dudu vai ser encaminhado ao Presídio Central.
Handerson Eduardo Piasson da Silva, o Feio, 21 anos, foi encontrado caído na Rua 12 de Julho, no bairro Umbu, alvejado por disparos de arma de fogo. Conforme a Polícia Civil, ele foi atingido por pelo menos sete tiros de pistola 9mm. Com mandado de prisão preventiva, policiais estavam à caça de Handerson, que foi achado morto carregando um capacete e uma sacola com mudas de roupas.
- Tudo indica que ele estava se preparando para fugir da vila e foi atraído para a morte - acredita o delegado Maurício Barison Barcelos, de Alvorada.
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