Rosto colado ao chão. Sem comer. Sem beber. Sem levantar os olhos e sem permissão de mirar seus captores. Em silêncio, a maior parte do tempo. Assim ficaram as nove pessoas tomadas como reféns pela quadrilha de assaltantes encurralada em Cotiporã no domingo. Foram 16 horas servindo de escudos-humanos, até se convencerem que os bandidos tinham sumido e os deixado livres, conforme o prometido.
O cativeiro, num mato próximo ao Rio das Antas, era uma clareira na qual os bandidos mantiveram aprisionados uma família de agricultores (incluindo uma criança) e duas garotas que estavam na cidade e também foram feitas reféns.
Traumatizados, os reféns não quiseram se estender em declarações à imprensa. Escalaram, informalmente, um deles para falar: Willian Bernardi, 23 anos, administrador de empresa e genro do proprietário da residência rural onde os bandidos se refugiaram, na desesperada fuga da Polícia.
Bernardi, que também é estudante, diz que todos estavam dormindo, por volta das 4h da madrugada, quando bateram violentamente na porta. O dono da casa abriu e foi rendido por dois homens fortemente armados, que usavam touca ninja e portavam fuzil.
- Nos pegaram pelos braços e nos mandaram sair pelos fundos. Ficamos das 4h às 18h sem comer e nem beber nada, no mato, sentados. A sede era muito maior do que a fome - descreve Willian.
Ele diz que todos os reféns foram tratados respeitosamente, inclusive as mulheres. "Até para espanto da gente, já que os bandidos estavam desesperados. Mas eles garantiram que iriam nos tratar bem e foi o que aconteceu", revela.
Isso não impediu que os homens fossem obrigados a tirar as calças e ficar só de cuecas. As mulheres tiveram permissão de manter as roupas. Todos foram obrigados a caminhar por uma hora e meia no mato, até um lugar onde tiveram de ficar de bruços, sob sol intenso. Ninguém foi amarrado. Os criminosos pediam que ninguém falasse e isso foi feito.
Os bandidos quebravam o silêncio apenas para perguntar sobre pontos geográficos da região, com vista a possíveis rotas de fuga. Num determinado momento, os assaltantes comentaram que os companheiros estavam mortos. Os reféns não têm ideia de como a quadrilha soube, mas imaginam que escutavam rádio.
- Estávamos bem tranquilos. Eles diziam que a briga não era com eles e que se ficássemos quietos todos iam sobreviver. Pelas 15h os bandidos foram embora, mas nós não tínhamos certeza. Ficamos no mesmo local, com medo. Fomos caminhando por uma hora e meia, de novo, até encontrar dois brigadianos - relata Willian.
Os PMs conduziram os reféns até sua casa, onde eles vestiram algo sobre as cuecas e comeram pão com água. Por volta das 20h30min a BM foi formalmente avisada. Alguns oficiais pegaram o testemunho informal dos reféns, atrás de alguma possível pista dos bandidos. Depois, todos foram levados a Cotiporã, onde os esperavam psicólogos e enfermeiros, temerosos de algum trauma psíquico proveniente do cativeiro. Isso, aparentemente, não aconteceu. Todos os reféns jantaram no CTG da cidade - galeto com massa - e, depois, receberam familiares, que entravam um por um, chorando abraçados. Quase 500 pessoas testemunharam o reencontro, pautado por uma emoção que Cotiporã tão cedo não vai esquecer.
Veja onde fica o município de Cotiporã, na Serra
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