*J.J. Camargo é cirurgião torácico e chefe do Setor de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia e presidente da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM)
Na vida atribulada e às vezes francamente ensandecida, com compromissos inadiáveis e agendas violadas por imprevistos, não há tempo para cuidar dos conhecidos como seria recomendável, nem ao menos para catalogá-los devidamente.
Uma classificação básica propõe uma divisão originalmente singela: os amigos verdadeiros, aqueles que não mudam o jeito de nos querer mesmo depois que tudo de bom nos acontece, e gostam da gente de qualquer jeito, até quando deixamos de merecer, e são parciais e tendenciosos. A nosso favor, é claro. Esses são raros e preciosos e merecem ser cultivados com o maior desvelo.
Depois, os neutros, com quem convivemos sem emoção extremada, por falta de afinidade ou atração. Esses são numerosos, mandam mensagens gentis mas sempre grupais, quase nunca sabemos o que de fato pensam de nós, e no fundo desejamos que eles, pelo menos, conservem a neutralidade.
Em sequência, os inimigos assumidos, que sempre queremos que sejam poucos, mas não conseguimos evitar que existam, nem desconhecer que é pela estatura deles que se mede a importância do que fazemos. Afinal nada mais deprimente do que uma legião de desafetos medíocres!
Entre os que gostam da gente de qualquer jeito e os que não gostam de jeito nenhum, transitam os que ainda não se decidiram. Com esses devemos ter muito cuidado.
Os que vivem com intensidade acima da média porque não conseguem dispensar a adrenalina como combustível, têm a relação de inimigos ampliada com a inclusão dos invejosos, uns tipos que não fazendo, não toleram que outros façam. Esses rivais insuspeitados, gerados por motivos desconhecidos, em geral são covardes para o confronto de ideias, usam vias indiretas de depreciação, adoram o escudo das redes sociais, atribuem todo o sucesso dos outros a apadrinhamentos, e discordam de tudo que pensamos, simplesmente porque não toleram que pensemos.
E consomem tanta energia na inveja, que não lhes sobra tempo nem ânimo para produzir qualquer coisa útil. Mas não se deve imaginar nenhum castigo especial para este grupo, que afinal já está punido pelo convívio diário com um juiz silencioso, mas implacável: o travesseiro.
Em compensação existem uns tipos incandescentes que cruzam nosso caminho de maneira aleatória e fugaz, mas com uma intensidade tamanha que despertam a empatia essencial para a construção de uma amizade definitiva.
Infelizmente, a pressa de seguir adiante, interrompe o que poderia ter sido, e talvez nunca venha a ser.
Uma pena que raramente tenhamos uma segunda chance para curtir esses amores prometidos e negligenciados.
Palavra de médico
J.J. Camargo: Os amigos e os nem tanto
Dentro da classificação básica surgem verdadeiros, neutros, incandescentes, entre outros
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