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O Ministério Público Federal (MPF) vai apurar os relatos de que a prefeitura de Canoas tentou vetar enredos sobre religiões de matriz africana, negros e pessoas LGBT+ no Carnaval da cidade.
Entidades carnavalescas afirmam que o secretário municipal de Cultura e Turismo de Canoas, Wolmar Pinheiro Neto, teria condicionado a liberação de verbas públicas à restrição quanto aos temas dos enredos. Ele nega (leia manifestação mais abaixo).
Em nota, o MPF diz que, de acordo com relatos que chegaram ao conhecimento do procurador da República Enrico Rodrigues de Freitas, que atua na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no RS, as declarações do secretário exprimiram "conteúdo de natureza preconceituosa e de intolerância religiosa".
Nesta sexta-feira (21), o órgão encaminhou ofício ao município de Canoas, à Federação Nacional das Escolas de Samba (Fenasamba), que tornou o caso público, e à Associação das Escolas de Samba de Canoas (Aesc), que tinha representantes na reunião com o secretário. No documento, o MPF pede mais informações sobre o encontro, como quando foi realizado, quem estava presente e "outros detalhes pertinentes".
O procurador Enrico Rodrigues de Freitas também questiona ao município se havia alguma condicionante para a cessão do Parque Eduardo Gomes para a realização do evento no mês de abril. À reportagem de Zero Hora, o secretário disse que o espaço seria cedido.
Na quinta-feira, o presidente da Aesc, Noé Oliveira, registrou boletim de ocorrência contra a prefeitura de Canoas alegando que houve preconceito por parte do Executivo municipal ao tratar do evento. O caso foi registrado na Delegacia de Combate à Intolerância e agora está na 1ª Delegacia de Polícia de Canoas.
Entenda o caso
Prefeitura de Canoas e representantes das escolas de samba se reuniram no fim de janeiro para discutir a realização do Carnaval na cidade. As entidades buscavam apoio do poder público. A prefeitura afirma que não dará recursos públicos para o evento, mas que cederá o Parque Eduardo Gomes para os desfiles. No encontro, segundo a administração municipal, teria ficado acordado que as escolas buscariam apoio financeiro junto à iniciativa privada.
Uma nota publicada pela Federação Nacional das Escolas de Samba (Fenasamba) no dia 18 de fevereiro trouxe à tona a suposta fala do secretário de Cultura e Turismo, que teria dito que a prefeitura não apoiaria o Carnaval com enredos sobre temas relacionados às comunidades negra e LGBT+.
Pinheiro Neto nega o teor da publicação, mas relata ter citado na reunião a performance feita no Bloco da Laje, em Porto Alegre, que também gerou polêmica: um homem foi filmado dançando vestindo uma calcinha e usando uma coroa de espinhos em alusão a Jesus Cristo.
— Esse tipo de postura não pode ser apoiada com dinheiro público, porque temos que respeitar todas as religiões. Eu jamais segmentei, restringi e censurei. Para o próximo ano, pretendemos apoiar. Obviamente, construindo para desenvolver a cultura como um todo. Mas projetos como esses (do Bloco da Laje), temos que cuidar para não acontecer aqui na cidade de Canoas — avaliou o secretário.
As escolas de Canoas pediam R$ 300 mil, que seriam usados em estrutura e pagamento de cachês. A prefeitura diz que precisará aplicar o dinheiro em serviços de saúde na cidade.
Além do presidente da Aesc, estiveram na reunião o vice-presidente da associação, Daniel Scott, e o produtor José Padilha, da JP produções.
— Já havia uma desconfiança de que essa gestão não aportaria recursos, por ser de uma ideologia de direita. No encontro, ele (secretário) começou a falar de questões políticas que não nos interessam. Em dado momento, falou que as escolas não poderiam apresentar enredos com linguagem LGBT e de linguagem afro, pois como o prefeito é evangélico, ele certamente não iria aportar recursos nesses tipos de ações — relata Scott.
Nesta sexta-feira (21), às 19h, uma reunião com os membros da Aesc será realizada para definir com que recursos será feito o evento. São oito escolas associadas, cinco delas perderam tudo com a enchente de maio. As agremiações aguardavam recursos provenientes da prefeitura e da iniciativa privada para montar os carros e fantasias. O Carnaval na cidade está previsto para 5 de abril.
No ano passado, a prefeitura de Canoas repassou R$ 31 mil em recursos públicos para cada escola da Aesc.