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O Carnaval sempre foi palco de manifestações culturais que vão além do samba no pé. É o grito do povo por lutas sociais, ancestralidade e diversidade. Por isso, a polêmica em Canoas não pode ser tratada apenas como um ruído de comunicação.
A denúncia da Federação Nacional das Escolas de Samba (Fenasamba) sobre a suposta proibição de enredos ligados às religiões de matriz africana, à população negra e à comunidade LGBT+ levanta questões essenciais.
A prefeitura nega ter imposto qualquer censura, alegando que houve distorção em suas declarações. Ainda assim, a reação imediata da Fenasamba revela o temor constante de que pautas historicamente marginalizadas sejam silenciadas, mesmo em espaços onde deveriam ecoar com força, como o Carnaval.
Se houve ou não um veto explícito, o simples fato de o debate ter surgido acende um alerta: a liberdade artística não deve ser condicionada por preferências ideológicas ou disputas políticas.
Lembro aqui um dos casos mais emblemáticos. Em 1989, a Arquidiocese do Rio de Janeiro vetou uma alegoria que representaria o Cristo Redentor cercado de mendigos, idealizada pelo carnavalesco Joãosinho Trinta (1933-2011) para o enredo Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia, da Beija-Flor.
A solução para passar na Marquês de Sapucaí? O diretor de Carnaval da agremiação na época, Laíla Ribeiro (1943-2021), cobriu a escultura com um plástico preto e pendurou uma faixa com a inscrição: “Mesmo proibido, olhai por nós!”.
Canoas precisa esclarecer os fatos, mas, principalmente, garantir que o Carnaval continue sendo palco de todas as vozes. A força dos desfiles está justamente em contar histórias que incomodam, que resistem, que libertam. Tentar limitar isso é um passo perigoso.