A cada bandeirada, um estranho entra no carro de Mauro Castro, 59 anos. Se para o taxista com 35 anos de profissão é mais um passageiro, para o escritor é um potencial causo para contar. Mauro começou a colocar suas histórias no papel em 2003, em uma coluna no Diário Gaúcho, a convite do então editor, que era seu passageiro. Recentemente, passou a usar as redes sociais para isso, e já publicou cinco volumes do livro Taxitramas: Diário de um Taxista.
As obras misturam histórias que ele viveu, coisas que outros taxistas lhe contam e algo de ficção – diferentemente do que diz o livro, nunca houve um disco voador com placa de Marte atrapalhando o trânsito da Terceira Perimetral. Ele admite que mexe nas histórias “tanto para cima quanto para baixo”:
— Todas são baseadas em corridas reais. Às vezes dou uma turbinada, e outras, de coisas impublicáveis, dou uma amenizada.
Mas essa, garante ele, é real:
Foi uma longa corrida até Belém Velho. O passageiro estava indo ver seu pai, com quem havia brigado, não via há oito anos. Soube que o pai estava à beira da morte, era agora ou nunca. Contou que tinham brigado por causa de um porco que ele deixara fugir, discussão besta, mas o velho tinha o gênio do cão, e ele herdou esse mesmo pavio curto, eram parecidos, enfim... Oito anos sem se ver.
Chegando lá, o homem pediu que eu esperasse. Caso estivesse tudo bem, voltaria para me pagar; caso contrário, retornaria comigo. Pouco tempo depois, o passageiro voltou sorrindo, já fui conferindo o valor no taxímetro. Ele embarcou e pediu que retornássemos.
— O velho tá realmente mal, mas continua o mesmo. Não esqueceu o maldito porco. Fez um gesto obsceno me mandando à merda e virou para o lado como quem anseia pela morte.
Mauro não faz o tipo taxista passivo: já foi até orar do lado de defunto desconhecido enquanto a passageira avessa a velórios aguardava no carro. E ainda deixou o nome dela no livro de presença: “Silvia, da Avon”.
Pior é quando o cliente não quer pagar em dinheiro nem cartão. Já quiseram quitar a corrida com remédios, com camarão e até com calcinhas e sutiãs. Essa última oferta, diz, veio de uma moça prestes a ingressar na vida monástica, a caminho do convento.
— Essa história é bizarra. Mas mais bizarro é chegar em casa com uma sacola de lingeries e explicar pra mulher que ganhei de uma freira.
Mas nem todos seus textos são engraçados. Tem coisa que faz seus olhos marejarem só de lembrar. Como o passageiro que nasceu em um campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Ele contou que foi separado da sua mãe no parto e levado para lugar incerto. A guerra acabou, e sua mãe empreendeu uma louca busca por ele. Encontrou-o em um local com vários outros bebês da sua idade. Resgatou-o e trouxe ao Brasil.
O homem cresceu sem ter prova da maternidade – como a mãe poderia saber que era mesmo o seu filho, que não confundiu com outra criança? Antes de ela morrer, ele fez um teste de DNA: positivo. A mãe sempre teve razão.
Outra história o tocou tanto que colocou na contracapa do último volume. De um homem pálido, de cabelo raro, que iria pro hospital para cumprir, com sorte, os últimos dois de seis meses que tinha de expectativa de vida. Mauro ofereceu o livro de graça, mas o passageiro quis pagar por dois, por aquele e pelo próximo volume, porque não estaria ali para o lançamento. Só pediu que incluísse sua história nele.
A maior parte dos livros, o taxista vende para os próprios passageiros. Ainda é a renda com o táxi que paga as contas, mas Mauro espera que seus textos sejam o seu legado no mundo:
— Rico eu não vou ficar, mas acho que vou deixar um material bem legal.