O cercamento dos parques de Porto Alegre voltou a debate depois dos episódios recentes de furtos de cabos, fios e lâmpadas de iluminação nesses espaços públicos e abertos 24 horas por dia. O prefeito Sebastião Melo não esconde a insatisfação com a ação dos ladrões, e trouxe o assunto de volta às discussões.
— O que nós estamos vendo é o seguinte: os parques estão abertos, mas estão fechados para as pessoas de bem. Muita gente não coloca o pé num parque a partir das 19h — afirma o chefe do Executivo, que escreveu um artigo sobre o tema em Zero Hora, nesta terça-feira (3), para provocar o debate.
Melo cita um aspecto que poderia fazer diferença no quesito segurança no caso de os parques serem cercados na capital gaúcha:
— Em espaço público não pode ter segurança privada. Mas pode existir em espaços sob o controle do poder público. Se tivesse o cercamento de determinadas áreas, poderia haver uma ronda noturna — exemplifica.
O Parque Moinhos de Vento (Parcão) foi mencionado por Melo para começar a discussão sobre um futuro cercamento. O prefeito disse que o local foi citado por passar por melhorias que deverão estar concluídas em até dois anos.
— O primeiro passo será levar a discussão sobre o cercamento dos parques à Câmara Municipal. Depois, vamos abrir consultas digitais e presenciais, e queremos escutar as opiniões dos urbanistas — planeja Melo, dizendo que não existem projetos, apenas a ideia de se iniciar o debate em torno do tema.
Propor o cercamento de parques como Marinha do Brasil, Farroupilha (Redenção) e Parcão não é uma novidade. O tema já foi discutido em anos anteriores, sem nunca haver consenso. O Parque Germânia, localizado no bairro Jardim Europa e inaugurado em 26 de março de 2006, é a única dessas áreas verdes cercada da cidade. E conta com segurança privada desde 2017.
O professor de Planejamento Urbano Eber Pires Marzulo, da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), chama atenção para os problemas que podem aparecer a partir do cercamento dos parques:
— Cercar não é uma solução, pois cria mais áreas subutilizadas, jogando a movimentação para os eixos de abertura. Vai gerar problemas de segurança de dia em áreas escondidas perto das partes cercadas. E ainda vai dificultar a mobilidade que não seja feita com veículos motorizados.
Parque Germânia é exemplo usado pela prefeitura
A prefeitura recorre a casos bem-sucedidos de cercamento para justificar seu posicionamento:
— Temos o exemplo do Parque Germânia, com regras. Lá não temos relatos de furto da iluminação, vandalismo, e os equipamentos duram. Fazemos a manutenção periódica e a incidência de problemas é mínima no local — diz Marcos Felipi Garcia, titular da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb), salientando que a legislação anterior retirou a obrigatoriedade de plebiscito para se discutir o cercamento.
O Parque Germânia conta com 15,11 hectares de extensão, um lago, quadras para a prática esportiva e uma área de proteção da vegetação nativa. O lugar é mantido desde 2008 pela Associação de Amigos do Jardim Europa (AAJE) – entidade civil sem fins lucrativos formada pela reunião de condomínios que fazem parte do entorno do Parque Germânia – e conta com o apoio e a supervisão da prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus). A abertura do parque para o público ocorre às 6h, e o fechamento se dá às 20h.
O presidente da Associação de Amigos do Jardim Europa, Rui Back, alerta que não basta cercar os parques:
— O cercamento não pode estar apartado de outras questões, como o cuidado com o patrimônio e como elemento de segurança. Apenas o cercamento não resolve nada. Agora, uma visão de que o cercamento é um elemento de segurança e garantia patrimonial, sim — reflete o dirigente, sublinhando que, se o Germânia não fosse cercado, não existiriam condições técnicas e humanas para garantir a integridade do local.
Cercar não é uma solução, pois cria mais áreas subutilizadas, jogando a movimentação para os eixos de abertura. Vai gerar problemas de segurança de dia em áreas escondidas perto das partes cercadas. E ainda vai dificultar a mobilidade que não seja feita com veículos motorizados
EBER PIRES MARZULO
Professor da UFRGS
No Germânia, há uma empresa de segurança contratada que atua 24 horas no monitoramento das câmeras externas voltadas para a rua, uma viatura que efetua ronda o dia inteiro e segurança a pé diária dentro do parque.
— Esse é um trabalho mantido pela associação com a contribuição dos moradores do bairro — esclarece Back, pontuando que a associação adotante usa os recursos para manter a limpeza e os reparos no parque.
Cercar ou não é um tema que divide opiniões. O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Rafael Pavan dos Passos, desaprova a possibilidade de cercamento dos parques na cidade.
— O cercamento não vai resolver o problema da segurança patrimonial. Ele restringe e reduz a circulação das pessoas pelo parque. Essa restrição pode provocar exatamente o efeito contrário: insegurança no parque e no entorno — avalia, revelando que seria muito mais favorável ao cercamento desses espaços por câmeras de videomonitoramento, o que já foi proposto no passado.
O dirigente ainda questiona a possibilidade futura do uso de segurança privada nos parques:
Até que ponto é válida (segurança privada) para uma área pública? O espaço público deve atender ao interesse público. Muitas vezes isso pode entrar em conflito com a segurança privada que não responda a questões públicas
RAFAEL PAVAN DOS PASSOS
Presidente do IAB-RS
— Até que ponto é válida (segurança privada) para uma área pública? O espaço público deve atender ao interesse público. Muitas vezes isso pode entrar em conflito com a segurança privada que não responda a questões públicas.
Questionado se o cercamento dos parques poderia acabar com os furtos e atos de vandalismo nesses locais, o tenente-coronel Ivens Giuliano Campos dos Santos, comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM), concordou:
— Tudo o que tiver controle de acesso terá mais segurança. E será mais fácil de fazer o controle — observa.
Por sua vez, a IPSul – consórcio vencedor da parceria público-privada (PPP) de iluminação pública da cidade – afirmou que não iria se manifestar sobre o tema do cercamento dos parques.