— Se estivesse no nível normal, eu não estaria caminhando aqui. A média é de um a dois metros. Eu navegava por aqui — lamenta o pescador Marcelo Araujo da Silva, enquanto caminha em meio ao Guaíba, com a água na altura da canela e tendo o Cais Mauá ao fundo.
O verão com altas temperaturas e pouca chuva tem alterado o nível das águas que banham cinco municípios da Região Metropolitana. Bancos de areia — formados por vento, correntes e assoreamento — agora estão visíveis, revelando ilhotas de lama e afetando a vida daqueles que vivenciam o lago.
Na manhã desta sexta-feira (21), por volta das 9h15min, medição feita próxima ao Cais Mauá apontou que o nível do Guaíba estava em 83 centímetros. Há uma semana, a água estava em 11 centímetros no mesmo ponto — o mais baixo nível desde o início da medição no local, em 2015.
Os números são bem inferiores na comparação à média do local, que fica entre 1,2 metro e 1,4 metro ao longo do ano, conforme a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, que monitora diariamente o nível do lago. A profundidade só não é menor por conta do vento sul, que reteve a água do Guaíba nos últimos dias.
O que as réguas mostram em números, pescadores e esportistas sentem no dia-a-dia.
A pesca, por exemplo, é diretamente afetada pela baixa no nível do lago. Como as áreas com pouca água são mais rasas, e os peixes preferem locais de maior profundidade, pescadores precisam lançar redes em outros locais para conseguir o sustento.
— (O nível mais baixo) Interfere na nossa pesca, dá menos peixe. Antes pescava de 50 a 60 quilos. Agora, a gente pesca entre 15 e 20 quilos. Nunca pensei em andar por aqui. Acho que é por causa do aquecimento (global) — diz Silva, morador da Ilha da Pintada.
Com a baixa profundidade, os pescadores precisam se esforçar mais para encontrar peixes. Presidente da Colônia de Pescadores Z5, da Ilha da Pintada, Gilmar da Silva Coelho afirma que os trabalhadores se arriscam entrando, inclusive, em rota de navios.
— A gente coloca as redes em mais de 10 pontos. Mas, como tem pouca água, tem que ir mais fundo, mais perto do canal de navegação, para colocar as redes. É mais tempo para colocar, mais combustível, mais insumo gasto. É um risco. Ainda não preocupa, mas estamos atentos à oferta de peixe para a Semana Santa — conta.
Apesar disso, Gilmar frisa que ainda não há problemas na navegação aos pescadores, que já estão habituados às rotas e conhecem os bancos de areia. Já para a prática esportiva, o nível do Guaíba provoca alterações na rotina de treinamentos.
Os praticantes de remo, por exemplo, ouvem e sentem quando estão em áreas mais rasas. Ao passarem por locais com pouca profundidade, as pás atingem bancos de areia e o casco raspa nas áreas assoreadas.
— Quando o Guaíba está baixo, fazemos a volta da Ilha do Pavão. Tem uma curva em que a gente bate o remo nos bancos de areia. Em alguns pontos, a gente passa remando, raspa o barco e a gente sente. Incomoda um pouco, mas a gente se acostuma. Temos que remar mais no fundo, mas tentamos evitar a rota dos navios — disse o remador Igor Ioshua Porto Batista, atleta do Clube de Regatas Vasco da Gama.
Para a navegação, contudo, o atual nível do Guaíba não representa problemas. Segundo o diretor de Portos Interiores, Bruno Almeida, navios comerciais seguem rotas cartográficas específicas e não passam por áreas assoreadas.
— As embarcações têm um calado (profundidade do barco abaixo da linha da água) de cerca de 5,2 metros, e o canal tem profundidade de cerca de 6 metros. Como eles trafegam em rotas sempre conhecidas e monitoradas, não há problemas para a navegação comercial — afirmou.
Já as chamadas embarcações de lazer, como lanchas, iates e jet skis, correm risco em áreas mais próximas da costa. Apesar do calado ser pequeno, a Capitania dos Portos de Porto Alegre destaca que qualquer pessoa que vá utilizar embarcações busque se informar antes de navegar.
— Planejar antes de sair e verificar as condições. Isso pode ser feito nos clubes e marinas. Locais que normalmente são rasos têm ainda menos água. Essa informação, para quem anda de jet ski ou veleja é importante — disse o comandante Rafael Santos, capitão dos portos de Porto Alegre.
Procurado por GaúchaZH, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) informou que o atual nível do Guaíba não afeta o abastecimento de água na Capital.